BOM DIA
Trata-se de uma das expressões que utilizamos quando saudamos alguém. Porêm, na língua Kongo, existe entre outras a expressão: luxikamene que traduzida para português resulta em "Como tens passado?". Esta frase no kikongo idiomático é muito profunda, equivale a dizer "como passaste a noite, como chegaste até aqui, enfim como é que tem sido a tua vida e a dos teus.
ARTIGO EM CONSTRUÇÃO: DIOGO CÃO ERA MAÇON?

7.4 O ‘Tocoismo’ e o Pensamento Político Religioso Zombo Contemporâneo

Simão Gonçalves Toco, 1984. Fotografia oferecida ao autor.

Embora já tenhamos, por diversas vezes, citado o conceito Zeitgeist, temos aqui, mais uma vez, a oportunidade de apelar para a sua relevância, por se tratar da ideia do "espírito da época" ou "espírito dos tempos" e daí partirmos para o estudo do fenómeno do Tocoismo.



No princípio do capítulo referente à colonização, ‘Algumas Especificidades da ‘Situação Colonial’ entre os Zombo Desde 1910 até ao Final da 2ª Guerra Mundial (1945)’, mencionámos os autores que suportariam a análise e o nosso pensamento sobre os zombo. Cabe agora a vez de nos auxiliarmos do pensamento do quinto e último autor: Arthur Ramos de Araújo Pereira, médico psiquiatra, psicólogo social, indigenista, etnólogo, folklorista e antropólogo. Evidenciamos que o que mais nos aproxima deste autor são as comparações que podemos estabelecer, muito nitidamente, com os kongo e, por consequência, com os zombo através de três obras de sua autoria: O Negro Brasileiro (1934)[1], O Folklore Negro do Brasil (1935)[2] e finalmente Estudos de Folk-Lore (1951)[3].

Demos a preferência ao citado autor, neste capítulo, para nos aproximarmos dos conceitos do profeta Simão Gonçalves Toco e da sua obra, dentro das igrejas cristocêntricas predominantemente existentes no kongo e especialmente entre os zombo.

Se Arthur Ramos, em 1934, na obra ‘O Negro Brasileiro’, não receia debruçar-se sobre as propostas do pensamento de Lévy Bruhl, através do ‘método etno-comparativo’ sobre A Mentalidade Pré-lógica[4] e a Lei da Participação e, com elas, construir o seu próprio pensamento, também nós, embora com ‘luvas de veludo’ mas mão firme e, apesar dos riscos inerentes à questão da Mentalidade Pré-lógica, onde estão sempre presentes os termos civilizado e o primitivo ou selvagem, expressões que nos obrigam a enquadrar o significado na linguagem da sua época, começamos por, acerca deste último conceito citar Ramos (1934: 208) quando ele propõe:

“ (…) É essa persistencia da mentalidade pre-logica que vem a explicar todos os factos de survival fetichista entre os negros bahianos de nossos dias. Em outro logar, procurei demonstrar que as praticas do curandeirismo, nos meios incultos do Brasil, revelavam a persistencia desta mentalidade pre-logica, ou como diz Bleuler, do “pensamento indisciplinado e autistico”. O “paganismo contemporaneo”, o folk-lore das sociedades adiantadas, evidenciam a persistencia destes elementos pre-logicos que podem coexistir ao lado dos pensamentos logicos.
Mas o pensamento logico não pode pretender supplantar inteiramente a mentalidade pre-logica. Os responsaveis pela cultura e progresso sociaes devem attentar bem nesse problema (…) ”.



Aqui temos uma achega bem forte para compreender o pensamento religioso e político zombo e tudo mais que acerca deles temos vindo a escrever. Porém, o outro pensamento que é a Lei da participação (1934:207) vai entroncar no conceito mencionado acima:


“ (…) A ligação das representações, no primitivo, foge, assim, às leis da logica formal. Ha nella, relações mysticas que implicam uma participação entre sêres e objectos entreligados nas representações collectivas. Lévy-Bruhl deu o nome de lei da participação ao “principio proprio da mentalidade primitiva que rege as ligações e as préligações destas representações”. Só com muita difficuldade apprehende a nossa mentalidade a significação desta lei, e, por esse motivo, torna-se difficil enunciá-la sob forma abstracta. (…)”



Em 31 de Julho de 2005, fomos convidados, mais uma vez, por anciãos conselheiros, para assistir e participar no congresso tocoista desse ano, que se realizou nos arredores de Lisboa, em sede própria,na rua Senhor Roubado LT1, Vale do Forno Odivelas 8 (será simples coincidência o nome da rua?)Relataremos o que nos parece essencial, afim de construirmos o corpo desta secção. Por feliz permissão da direcção da mesa, foi-nos concedido o registo em vídeo de toda a cerimónia, por isso, as considerações que fazemos são cópia fiel do que ali se passou.

Os trabalhos foram iniciados com as seguintes palavras:

“- Zulumongo é a cidade santa do Ntaya em Makela do Zombo (…)”


O termo Zulumongo, pela tradução à letra, sugere-nos o seguinte: Zulu quer dizer céu e Mongo significa monte. Ocorre-nos então fazer uma breve extrapolação: Zulu Mongo significaria para os tocoistas, o que o Monte Sinai significa para os Judeus (Êxodo 19:20).

Da cerimónia, retiramos dois excertos que nos parecem reflectir o seu espírito. Um dos participantes, com cerca de sessenta e cinco anos de idade, deu o seu testemunho sobre factos passados há cinquenta anos atrás, (previamente autorizado pela mesa a usar da palavra) proferindo as seguintes palavras:


“ (…) - Quando Simão Toco no norte começou a percorrer as aldeias, as populações que acompanhavam Simão Toco eram vestidas de branco. Nós, naquela altura éramos muito crianças, mas ouvimos a canção que cantavam era GUNGA GUELA, que quer dizer “o sino tocava’ e tinha um significado: era o despertar das populações para um reino melhor. Eu acho que a canção GUNGA GUELA, GUELA, era uma canção fetiche que despertava as almas das populações. Não me alongo mais porque estou totalmente comovido pelos cânticos que hoje ouvimos. (…) “



Esta intervenção terminou com a referência ao termo fetiche que nós transferimos para o kikongo por nkisi e ao qual nos referimos, em pormenor, no capítulo quatro, na secção Particularidades do Processo Mágico.

A leitura do discurso do dia esteve a cargo do ‘irmão’ José António Malanga, de que salientamos as seguintes palavras:


“ (…) Ao 56º aniversário da descida do Espírito Santo sobre a Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo no Mundo, com Sede Espiritual, em Sadi Zulumongo, Ntaya Makela do Zombo, a direcção Nacional da Igreja, em Portugal, no dia 25 de Julho de 2005, informa:



Em Julho de 1946, realizou-se a conferência missionária internacional das missões protestantes de todo o mundo, em Leopoldville, capital do ex-Congo Belga, com a presença de indivíduos de todas as partes do globo, na qual se tratou a educação em geral dos Africanos, o aumento da civilização, dos direitos cívicos e outros e finalmente o aumento da luz do Evangelho de Cristo. Antes do encerramento da conferência foram escolhidos três nativos de Angola para dirigirem petições a Deus.



O 1º interveniente o Reverendo Gaspar de Almeida da missão episcopal Evangélica de Luanda que orou a Deus para aumentar a instrução, educação e progresso de unificação entre brancos e negros. O 2º orador pedia a melhoria das condições sociais e que os negros pudessem ganhar dinheiro como os brancos. Esse africano chamava-se José Jesser Chipenda. O terceiro orador foi Simão Gonçalves Toco, foi-lhe dito pelos missionários nomeadamente pelo Dr. Tocker (?) da missão do Dondi, província do Huambo, e o Dr. Brech (?) da missão Africana de Kalukembe, província da Huíla, que pedisse apenas ao Espírito Santo afim de converter o povo africano que se encontrava nas trevas do pecado visto que sem a força do Espírito Santo, África continuaria nas trevas, assim procedeu o orador, pedindo ao Espírito Santo o aumento da luz do Evangelho em África.



Em Julho de 1949, Simão Gonçalves Toco reuniu um grupo de 3*12, que corresponde a 36 pessoas, em Leopoldville, de noite afim de perguntar a Deus se ouviu ou não a oração dirigida, em 1946, com o pedido do Espírito Santo. À meia-noite ouviu-se um grande ruído e viu-se uma luz. Muitos tremiam, outros falavam muitas línguas, coisas se passaram naquela noite. (…) “


1991 Luanda, festa tocoista que não se realizava  há dezassete anos e a que assistimos

Muito significativo é um relatório que encontrámos no Arquivo Histórico Militar de Lisboa com a referência 69 02 08, já desclassificado, com o título ‘Apontamentos sobre Simão Toco e a sua seita tomados em 1951 por um sacerdote africano da missão de Kimpangu ex Congo belga’, mencionado por Eduardo dos Santos (1972:365), na obra Movimentos Proféticos e Mágicos de Angola. Este autor deverá, na nossa opinião, ser consultado, sempre que se estudem os aspectos mágico religiosos zombo. O que importa aqui referir é a persistência com que, de tempos a tempos, (como se se tratasse de uma doença endémica), de acontecimentos revolucionários, nesta zona, a região banhada pelo rio Fulége, por nós assinalado na secção ‘A 5ª Companhia de Caçadores Indígenas versus Batalhão de Caçadores 88’ e aqui grafado como Mfuelesi, com povoações célebres como o Kimpangu com o seu mercado Kiantanu, o posto de Masseke e também de Sadi Kiloango, sendo interessante reflectirmos por momentos, no conteúdo das duas secções. Por nós, que conhecemos muito bem a região, embora deixássemos de, por lá passar, vai para trinta e dois anos, admitimos que as suas características geográficas, a riqueza do seu solo e sub-solo, bem como o significado simbólico que ela comporta fará com que os factos vividos e a viver pelas populações zombo, nela perdurem por muito tempo.

Do relatório, acima referido, extraímos o seguinte trecho:

“ (…) Durante a leitura da Bíblia, sobretudo de noite, verificam-se frequentemente casos de pessoas iluminadas, dizem eles, as quais recebem a inspiração sagrada do Alto. Os Iluminados começam a tremer e a ter esgares; os tremores acentuam-se, o inspirado agita-se fortemente e indica aos leitores da Bíblia o capítulo cuja inspiração ele acaba de receber. Os leitores lêm então o capítulo indicado… os assistentes cercam o iluminado e excitam-no a comunicar-lhes as ideias inspiradas…É depois aclamado e levantado pelos assistentes em sinal de honra e veneração. Acontece com frequência que na mesma reunião se assiste a dois ou três casos de iluminados, inspirados pelo “Mpeve a Mvuluzi” – Sopro divino. [5](…)”

O sublinhado é nosso, procedemos assim para reforçar a ideia .

Ao falarmos de Simão Toco não podemos deixar de referir a figura central do profeta Simão Kimbangu, porventura, a mais representativa personagem da Teologia Cristã Africana Kongo. Não receamos colocar o termo profeta porque os teólogos católicos e protestantes kongoleses e angolanos referem-se tanto a Simão Kimbangu como a Simão Toko como profetas, tendo nós assistido, há dias, a uma tese de doutoramento na Universidade Católica em Lisboa em que aquelas personagens foram textualmente referidas naqueles termos. São, especialmente eles, que norteiam as convicções políticas e religiosas dos zombo. A seguir daremos testemunho, com o devido destaque, a factos vividos entre os zombo, desde meados da década de cinquenta do século passado até aos anos noventa seguintes, de situações que tiveram como protagonistas destacados tocoistas de então.


[1] Ramos, Arthur (1934) O Negro Brasileiro. Civilização Brasileira S.A. Rio de Janeiro.
[2] Idem (1935) O Folklore Negro do Brasil. Livraria da Casa do Estudante do Brasil. Rio de Janeiro.
[3] Idem (1951) Estudos de Folk-Lore. Livraria Casa do Estudante do Brasil. Rio de Janeiro.
[4] Idem (1934) O Negro Brasileiro. Civilização Brasileira S.A. Rio de Janeiro, pp. 204 – 209.
[5] Ndandu, Alberto (s/d) “Apontamentos sobre Simão Toco e a sua seita tomados em 1951 por um sacerdote africano da Missão de Kimpangu (kongo ex-Belga)”, Arq. Histórico Militar, 2ª Secção, Caixa 162, nº. 24, Ref. 69 02 08.

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