BOM DIA
Trata-se de uma das expressões que utilizamos quando saudamos alguém. Porêm, na língua Kongo, existe entre outras a expressão: luxikamene que traduzida para português resulta em "Como tens passado?". Esta frase no kikongo idiomático é muito profunda, equivale a dizer "como passaste a noite, como chegaste até aqui, enfim como é que tem sido a tua vida e a dos teus.
ARTIGO EM CONSTRUÇÃO: DIOGO CÃO ERA MAÇON?

Nzambi ya Mpungu… não sei...

Nzambi ya Mpungu...Não sei...Vou procurar...


O Espirito da "Lenga Lenga": "Lenga-Lenga" era uma expressão usada em diversas tribos de Angola, muito conhecida por esse mato fora e não só. Era conhecida por se tratar (para quem não conhecia a profundidade do termo) por uma conversa que nunca mais tinha fim.
Explicando-me melhor, era e é, uma espécie de sessões continuas do parlamento da Assembleia da República. Os tribunos expressavam-se  (e  alguns ainda se expressam bem), mas só falam! não querem dizer nada...

Imaginemos uma viatura parada por falta de combustível em “terras do fim do mundo”. Os seus ocupantes, quase sempre resolvem meter-se ao caminho até chegarem à povoação mais próxima que, por vezes, se encontra a horas e horas de distância . Durante o percurso fala-se de tudo, como estratégia para chegar ao destino sem se dar por isso.

É com este espírito que iniciaremos a nossa “lenga lenga” conversando acerca da filosofia Negro-Africana. Os povos Kongo  serão o motivo de introdução, como filósofos, diplomatas e exímios contrabandistas (leia-se que, de vez em quando, escapam aos impostos). Serão o pretexto para a abordagem de diversos temas que irão surgindo ao longo do caminho, afinal a nossa Vida coletiva.
A Vida pode ser considerada uma "lenga lenga" no dizer de alguns povos de Angola. A "lenga lenga" é a manifestação da Palavra. Ela é o principio da energia vital interior, é com ela que participamos da Vida.
A Palavra é o instrumento da exteriorização do pensamento do homem. Necessita de um suporte conceptual, neste caso  a  LEI DA PARTICIPAÇÃO  de (Lucien Levy Bruhl). Ela explica que NÓS somos constituídos pelos que já partiram, pelos presentes e pelos que hão de vir. E por isso vamos falando, falando, realizando assim  a Participação Vital.

As crenças de ontem e de hoje dos Povos Kongo

Quando se apresentam fontes tão credíveis como as seguintes, apetece-nos, por exemplo, dizer: porque é que os Kongo (como consta do documento inserido pag.170) apelidavam os brancos vindos do mar por  "christão" que traduziam por Muncuici, ou seja Munkissi.Tal como na pag.117 Deus é Zambi Ampungu.
 

 

Enfim, os desígnios de Deus são insondáveis.

  Princípio conceptual que rege o tema

Zeitgeist  pronúncia: tzait.gaisst) é um termo alemão cuja tradução significa espírito de época, espírito do tempo ou sinal dos tempos. O Zeitgeist significa, em suma, o conjunto do clima intelectual e cultural dum Mundo, numa certa época, ou as características genéricas de um determinado período de tempo.

Antes do mais peço a vossa benevolência para abordar o termo ACREDITAR duma forma coloquial. Todos conhecemos o termo,  mas como defini-lo?
Pois bem, desculpem a redundância da expressão contabilística: para ACREDITAR, é absolutamente necessário levar A Crédito, sem pedir nada em troca, senão estamos a jogar aos dados com os Santos. Ou melhor, os crentes quando pedem, não fazem um negócio com Deus.

É sob a tutela de 2 pensamentos científicos da autoria do filósofo, antropólogo e sociólogo francês, Lucien  Lévy-Brühl (1857-1939)   que me proponho conduzir este tema. O Antropólogo e psicanalista Artur Ramos  citou-o assim:

1º Pensamento Lei da pré lógica

“ (…) É essa persistência da mentalidade pré-lógica que vem a explicar todos os factos de survival fetichista entre os negros bahianos de nossos dias. Em outro logar, procurei demonstrar que as praticas do curandeirismo, nos meios incultos do Brasil, revelavam a persistência desta mentalidade pré-lógica, ou como diz Bleuler, do “pensamento indisciplinado e autistico”. O “paganismo contemporâneo”, o folk-lore das sociedades adiantadas, evidenciam a persistencia destes elementos pre-logicos que podem coexistir ao lado dos pensamentos lógicos…”

“…O pensamento logico não pode pretender suplantar inteiramente a mentalidade pré-lógica. Os responsáveis pela cultura e progresso sociais devem atentar bem nesse problema (…) ”

  Pensamento : Lei da participação

Aqui temos uma achega, bem forte, para compreender o pensamento religioso e político KONGO  e tudo mais que acerca deles tenho vindo a escrever. Esta  lei da participação vai entroncar no conceito da pré lógica mencionado acima e a que Artur Ramos      novamente  chama a atenção.

“ (…) A ligação das representações, no primitivo, foge, assim, às leis da logica formal.  Há nela, relações místicas que implicam uma participação entre sêres e objectos entreligados nas representações coletivas. Lévy-Bruhl deu o nome de LEI DA PARTICIPAÇÃO ao “principio próprio da mentalidade primitiva que rege as ligações e as pré ligações destas representações”. Só com muita dificuldade apreende a nossa mentalidade a significação desta lei, e, por esse motivo, torna-se difícil enunciá-la sob forma abstrata. (…)”

A revista OBERVATEUR de 13 a 19 Setembro de 2012 insere um artigo muito interessante da autoria de Gilles Anquetil “Tobie or not Tobie” (paginas 90 a 91) em  entrevista a  Tobie Nathan, Nathan professor de Psicologia Clinica e Patologia. Fundador da Etnopsiquiatria. 
Na entrevista, a certa altura diz: “naturalmente, era neste mundo que o médico e o curandeiro, judeu ou árabe, coabitavam no tratamento ao doente. Minha avó dava-me, à vez, ambos os medicamentos tradicionais e as poções. A distinção entre o racional e o irracional não existe. Tive conhecimento disso muito mais tarde.
Vamos então ao tema que aqui nos trouxe:
 

Em que secretamente ainda acreditam os Kongo?

Têm os seus arquétipos e o principal é o Kongo cuja tradução se define pela imagem do Caçador.



 Nessa personagem está incluída a sua alma Ngo: a “alma, a sombra, a força vital do caçador” impressa na sua crença  pelo poder do genoma do leopardo (Ngo).
Entre os objetos sagrados encontra-se um símbolo primacial dos caçadores Kongo a bolsa, nkutu.  O nkutu era antes de tudo o seu atributo mágico. Tratava-se de uma bolsa de fibras de ráfia ou de ananás, com fundo arredondado e uma alça para se levar ao ombro esquerdo. Cada caçador tinha a sua própria bolsa e era imperdoável que um mexesse na bolsa de outro ou examinasse os objetos nela contidos; usavam-na para transportar tudo aquilo que lhes seria necessário durante a jornada de caça. Os objetos transportados não eram, nem muito volumosos nem muito pesados. Do conteúdo do Nkutu faziam parte artigos de caça, caixinha de rapé, folhas de tabaco, fósforos, mandioca ou noz de cola; enfim, mais uns quantos pós…Pode ser que essa bolsa, antigamente fosse uma aljava (bolsa para transportar setas), depois, com a introdução do fuzil e outras armas de fogo, o arco e a flecha foram deixados de lado, mas ainda no meu tempo assisti à sua utilização por pigmeus para matarem pequenos roedores ou pássaros.                                  
De uma maneira geral, todos os especialistas das ciências sociais ligados aos assuntos africanos, digamos os africanistas, já ouviram falar do missionário António Barroso e da sua obra no reino do Kongo em finais do século XIX, são dele as seguintes palavras:

“Esta resumida resenha dos trabalhos missionários no Congo e especialmente em S. Salvador, trabalhos suportados com heroica coragem, mostra-nos que esses trabalhos não alcançaram recompensa condigna. O cristianismo não penetrou fundo, passou como as chuvas torrenciais, que apenas humedecem a primeira camada deixando o subsolo ressequido e estéril. É duro confessa-lo, mas é verdade; o cristianismo não assimilou o indígena e deixou apenas tradições da sua passagem entre as populações do Congo”

                  Fotografia do Autor então com 17 anos (1956) mercado Kengue  do Quibocol

Sobre esta autorizada opinião passaram-se 130 anos, e os Kongo,  na sua filosofia tradicional,  continuam, em termos religiosos,  a pautar-se por um sincretismo que acompanha as suas necessidades acerca do transcendente. Embora tenham o Nzambi a Pungu por fulcro (cuja tradução à letra é “ Há um só Deus” assentam a sua religião nos valores dos Nkisis e Minkisis, (intermediários dos seus Bakulu) e especialmente nos Zombie.

                    NKISI, (Santo protetor) à entrada de duma Vata (aldeia) Bazombo finais século XIX

Permitam a minha ousadia para a tradução livre (de minha autoria) dos termos supra citados:  Nkisi, terá vindo do prefixo Ki que na pagina 10 da Gramatica da língua  Congo de José Lourenço Tavares quer dizer línguas, o que subentendo por  Vozes, mais propriamente A PALAVRA. De seguida, Nsi (Nxi) que o missionário António da Silva Maia traduziu  literalmente por Nação, ou melhor, Chão Sagrado. Quem faz a Nação senão os que já morreram, os que estão vivos e os que hão de vir?  Daí  a ligação destes termos  ao  Culto dos Antepassados. Que faz sentido faz... Quanto ao termo Minkisi, aqui o problema complica-se, mas vejamos: Mi, é o plural de mu, prefixo de Muntu, ou seja, Ser Humano. Se assim é, os símbolos Minkisi, devem  ser os representantes vivos dos ilustres antepassados.
Por último, e de uma forma sintética, tanto os Nkisis como os Santos da religião católica são objetos ritualísticos conhecidos pelos significados dos seus nomes e dizem respeito às suas origens. Os Nkisis dizem respeito à África ao sul do Saára e os Santos e outros ícones de culto referem-se ao Cristianismo. A sua fabricação é ainda hoje feita com fins religiosos e conforme a sua especificidade são tratados com representantes do Sagrado. Os Nkisis ( neste caso digamos relíquias) também podem ser pequenos saquinhos com ingredientes básicos fornecidos pelos n’ganga para alguém que precise deles. Estes objetos são chamados de arte religiosa tradicional. Aliás, o objeto por si só não se torna  a expressão do Sagrado sem a prévia atuação do Iniciado, tal como acontece com os objetos católicos, aplicando-se então a Lei da participação de Levy Brühl. Quanto ao termo Ankulu Bankulu, todos sabemos que o prefixo Ba, significa os filhos da Nação, e Nkulu tem, como significado literal pernas ; então quem são as pernas senão os pilares da nação ou sejam os antepassados? Finalmente chegamos ao termo Zombie.  
De uma forma geral está na moda dizermos de alguém:  Fulano está fora de si, vagueia sem rumo”. Também julgamos saber que se trata de um termo ligado à religião Voudu, com suposta origem no Haity e República Dominicana. Nada mais errado, o termo é de origem Kongo e ligado ao culto dos antepassados dos povos de Mbata região situada no Noroeste de Angola a que pertencem povos de Maquela do Zombo. Aqui está: Zombie tem como prefixo Nzo que significa Casa, e Mbi significa Maleficio, a que o escritor angolano Óscar Ribas, profundo conhecedor dos fenómenos ligados ao Espiritismo, traduziu na língua Kimbundu por Zumbi : alma de pessoa falecida recentemente, num período não secular e ainda Canzumbi, alma de pessoa falecida, alma do outro mundo.
Nota curiosa: existe uma máscara extraordinária no depósito do museu de antropologia da Universidade de Coimbra que, ao peito, tem esta inscrição: Kanzobi, (não tenho a certeza de ter escrito bem) só sei que o termo é Kongo e eu, tenho motivos justificados que garantem o que atrás foi dito.

Nota Final: os puristas da grafia  Kongo que me perdoem alguma incorreção ortográfica. Afinal, ainda estamos a contribuir para uma melhor redação. Isto  para não falar das formas de dizer e escrever o Kikongo dos muitos sub grupos sócio linguísticos ao longo dos últimos 100 anos.

CONTINUA ( 26 de Maio de 2013) 


Sir Harry H. Johnston: George Grenfell and the Congo



Tavares, José Lourenço, Gramática da Lingua do Congo (kikongo)Imprensa Nacional de Angola, Loanda 1915



 Maia, António da Silva Maia, Dicionário complementar Português-Kimbundu-Kikongo, Editorial Missões, Cucujães 1961

Ribas, Oscar   Ilundo, Divindade e ritos Angolanos,  Museu de Angola, 1958,  pp.132 e 151