BOM DIA
Trata-se de uma das expressões que utilizamos quando saudamos alguém. Porêm, na língua Kongo, existe entre outras a expressão: luxikamene que traduzida para português resulta em "Como tens passado?". Esta frase no kikongo idiomático é muito profunda, equivale a dizer "como passaste a noite, como chegaste até aqui, enfim como é que tem sido a tua vida e a dos teus.
ARTIGO EM CONSTRUÇÃO: DIOGO CÃO ERA MAÇON?

KIANGUDI YA KONGO ( MÃE ANCESTRAL )


KYANGUDY YA KONGO 

( MÃE ANCESTRAL ) 

A PRETO E BRANCO
Um dia, lá por volta de Setembro de 1957, quando os rebentos do capim apeteciam aos Nvudi, (o animal ao centro da foto abaixo) o admirável caçador Kasengo, filho da nação Kongo, falou-me da Kiangudi e acerca dela disse-me:
Sabes, vocês brancos, desrespeitam muito a vossa mãe ancestral, nós não. Acrescentando em kikongo: Ntinu evo mfumu kalendi yala vo kageye nkingu evo lendo kiangudi ko. O que quer dizer, sensivelmente em português o seguinte: Nenhum rei, nenhum chefe de povoação, grande ou pequena, jamais pode governar sem a lei e o poder das mães.
E dos Mbulu, dos Ba n’kulu, dizia-me, em tom muito respeitoso, "são notáveis antepassados, mestres dos segredos da história kongo  (kinkulu)" e  que ao longo da vida tudo lhes  ensinavam dos Nksi, dos Minkisi, e que para os Kimbundo representam  os Ndongo…
Diga-se de passagem que entretanto, uma vez iniciada a Guerra Colonial, nos separamos.  Ele partiu, tornou-se comandante da FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola) braço armado da UPA, eu fiquei defendendo a posse dos bens familiares de 20 anos de luta pela vida como comerciante do mato. A  última vez que nos vimos, foi em 1967, em pleno teatro de guerra, num dia de mercado semanal malele já em território da República do Zaire. Ambos comprando e vendendo. "Esquecemos por momentos", as posições antagónicas que ocupávamos no conflito. Só quem viveu momentos como este pode avaliar. Depois de nos cumprimentarmos disse-me: tens muita sorte, se quisesse já estarias morto a esta hora...




à esquerda de chapéu e arma apontada, está o Kasengo, ao seu lado estou eu
 e com a outra arma esta o seu patrão António
Voltando a 1957, normalmente saíamos para a caça depois de jantar,  em noites de lua nova ou quarto crescente, por volta das oito da noite. Não nos afastávamos de casa mais de 4 ou 5 quilómetros. Às vezes nem tanto, dois ou três quilómetros bastavam para o Kasengo abater duas ou três peças de caça. Ele sabia que eu ainda não estava preparado para enfrentar caça grossa, por exemplo pacaças (búfalos); por isso, nos dias em que eu o acompanhava dedicava-se a caçar antílopes.
Certo dia, já mato adentro, ouvi um som conhecido. Tratava-se do uivo de um chacal, que em kikongo, (língua kongo) se chama Mbulu. O Kasengo parou imediatamente. De uma forma reverente, segredou-me ao ouvido: “ vamos embora, é um mais velho que me está a dizer que a caça, por hoje acabou”. No dia seguinte, à tarde, pedi-lhe que me falasse dos Mbulu.
Bem, os Mbulu, disse ele, são  os nossos “mais velhos” (os nossos antepassados). Quando eles caçam, temos que nos retirar, somos os seus legítimos descendentes, por isso lhes devemos respeito. Nós, os caçadores, somos os filhos diletos desse importante clã ancestral (kanda). Sentimos, pensamos e agimos, em função do que nos transmitem os “mais velhos”, não questionamos as suas sentenças. Eles são os nossos sábios.
Hoje sei que o Kasengo se referia não só aos Mbulu mas também aos Ndongo (filósofos adivinhos) e ao mesmo tempo pescadores/marinheiros das margens e da foz do grande rio Kuanza. Neste caso, referia-se ele ao vizinho reino dos Kimbundo, de que faziam parte os Ngola, de onde deriva hoje o termo Angola.
Hoje (2013) sou, apesar de tudo, um homem com muita sorte, ou talvez não. E se a VIDA me tivesse traçado esta N'ZILA?  Aprendi o que era preciso aprender com os Zombo.. Volto a recordar o Samuel Eduardo, o António Povoa, o António Bala como meus verdadeiros irmãos, todos tocoistas e residentes no Zulumongo Ntaya. Lembro-me muito bem do nosso lavadeiro, o João Kembo. Em fins de Março de 1961 disse-me " Quando chamares por mim e eu não te responder é porque fugi, foge então também. Deixa as casas de teu pai e as tuas, mas salva a tua vida...
E mais,  como é que  o grande caçador  kasengo sendo operacional da UPA podia, se quisesse,  matar-me a qualquer momento, a mim e aos meus. Em vez disso, que estranho... Poupou-me a vida! Finalmente, é bom frisar, não fui  só eu o poupado, muitos o foram ao longo de 13 anos de guerra...tanto de um lado como de outro.
E se a nossa mãe ancestral tivesse a ver com a questão? Lembram-se do início deste apontamento? Ntinu evo mfumu kalendi yala vo kageye nkingu evo lendo kiangudi ko. O que quer dizer em português: Nenhum rei, nenhum chefe de povoação, grande ou pequena, jamais pode governar sem ser à volta de uma  a lei e o poder das mães...
Eu posso muito bem copiar um dos maiores filósofos portugueses. Pura e simplesmente as palavras não seriam minhas. Dizia então Agostinho da Silva:
“Poderíamos começar pela designação de Terra de Santa Maria. Porque é que surge em Portugal essa designação? Foi uma forma de dinamizar o povo à volta de uma ideia? Ou está ligada ao facto de, na Península Ibérica, haver uma ligação muito antiga à deusa-mãe. Há sociedades em que a mãe, a mulher mãe, domina ou impele soberanamente a sua sociedade para esta ou aquela direção.
 Porque é que tantas mulheres Kongo se orgulham de se chamarem MAFUTA? Se não souberem procurem entre as mais velhas MAMÃS.
José Carlos de Oliveira
                 Ph. D.
Ps: Para um melhor conhecimento do Admirável Kasengo, procure na Google De caçador a guerrilheiro "o meu amigo Kasengo"
 

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