BOM DIA
Trata-se de uma das expressões que utilizamos quando saudamos alguém. Porêm, na língua Kongo, existe entre outras a expressão: luxikamene que traduzida para português resulta em "Como tens passado?". Esta frase no kikongo idiomático é muito profunda, equivale a dizer "como passaste a noite, como chegaste até aqui, enfim como é que tem sido a tua vida e a dos teus.
ARTIGO EM CONSTRUÇÃO: DIOGO CÃO ERA MAÇON?

3.1.3. A Importância da Missionação Cristã no Reino do Kongo no Século XVIII


De entre os muitos documentos compulsados, há um que merece particular destaque pela forma como trata os assuntos do reino do Kongo: de dentro do reino para fora. Trata-se da obra “Aperçu de la situation du Congo et Rite d’Election des rois em 1775”, da autoria de Louis Jadin, sobre os tempos de missionação do Padre Cherubino da Savona, no Congo de 1759-1774 de que destacamos a carta geográfica que se segue, na qual, estão assinaladas as localizações das mbanza, das missões operacionais e antigas missões.

Na carta, como podemos ver, encontram-se assinaladas localidades que se revelaram importantes para a missionação. É o caso de S. Salvador, também designada por Mbanza Kongo (Mb. Kongo); Mbanza Sundi; Mbanza Zombo e Mbanza Bamba. São também assinaladas as missões de Kibango, Mokondo (Mbanza Mokondo) e Mbamba (Mbanza Mbamba); Bengo e Massangano. Curiosamente, ao assinalar Kaenda como missão está-se a omitir que se trata do topónimo do principal dembu e filho do rei do Kongo. [1]

É de notar ainda que, no canto superior direito da carta onde se lê “Ingobello”, há uma espécie de lago mesmo ao cimo do rio Kongo. Esta região não é outra coisa senão a região dos pumbo de Willy Ball (no seu mapa de route de traite Bazombo)[2] fornecedora de um grande número de escravos e de onde deriva o termo pumbeiro ou pombeiro, como já referimos, conhecidos como ‘os traficantes de escravos’.

De acordo com Jadin (1963), que por sua vez se baseia no testemunho do padre Cherubino, as missões católicas eram lugares de conquista e onde, mais tarde, houve presídios, no sentido de uma ocupação demorada dos portugueses. Nesses presídios, os missionários edificaram hospícios e igrejas. Aí, residiam habitualmente um missionário ou dois. Os capuchinhos da altura recebiam escravos, como presente dos chefes locais, pela prática do seu ministério. De notar que estes mesmos escravos chegavam a formar aglomerados de centenas de indivíduos. Eram privilegiados em relação à restante população, mesmo quando os missionários se ausentavam durante alguns anos. No entanto, houve casos em que algumas missões tiveram que ser abandonadas, por serem demasiado insalubres para a vida do ser humano. É o caso da missão de Kalumbo, referida no mapa como ‘ancienne mission’, situada a norte de Luanda na região do rio Dande. Era uma antiga missão abandonada pelos portugueses, dada a proximidade da lagoa infestada de mosquitos causadores das febres palustres. Nos documentos analisados por Jadin (1963), o padre Cherubino referia-se às povoações, utilizando, em primeiro lugar, o nome que lhes era atribuído pelos naturais da região. Nos casos em que tal sucedia, o padre Cherubino pretendia dizer que se tratava de um lugar não vassalo.

A carta geográfica que se segue, datada dos anos sessenta do século passado (das últimas utilizadas pela administração portuguesa), torna-se útil para o estudo das questões da bacia do Zaire. Algumas das referências toponímicas, constantes nos mapas já mencionados, tiveram uma importância relevante: primeiro, pela sua localização, face à proximidade das linhas de água; segundo, pela sua posição face aos cruzamentos das nzil’a, caminhos das caravanas comerciais zombo; terceiro, pelas suas características de defesa situando-se em sítios estratégicos, vatas (aldeias) de atalaia, como era também o caso de Banza Kaenda, assinalada no mesmo mapa (à extrema direita de Luanda) e designada como sendo a capital dos dembos ou ‘O Ninho da Águia’ (Magno 1934:7).



                                      Carta da “Zona Norte da Província Portuguesa de Angola” [3]

A posição estratégica das vatas e a visão apurada dos mubemba (que ainda hoje significa ‘o homem águia’, dada a sua agudeza de visão, vendo e pressentindo o perigo) assumiam, em tempo de guerra, um valor excepcional. Esta característica de apoio à liderança era ‘pertença’ da consanguinidade de algumas linhagens e secretamente ministrada pelos mestres de gerações de uma família detentora do epíteto laudatório. A sua origem repousa numa das kanda, a kanda (clã) zombo, pertencente à árvore genealógica do primeiro líder Nsaku Lau ou Mani Kavunga e em torno do seu subgrupo (conhecido até ao final da época colonial por ‘tribo’[4]).

É curioso notar que as missões católicas de Kaenda e Mbanza Mukondo, assinaladas pelo padre Cherubino na região do Kusso, no século XVIII, também o são por Alfredo Morais Martins em pleno século XX (1973:120):

“ (...) Ao interrogarmos o velho Movodi, chefe de uma das principais linhagens da região, sobre o assunto, ele informou-nos que os antigos diziam que no cume de uma colina próxima, sobranceira à actual Mbanza Cusso, tinha existido, há muito tempo, uma casa onde viviam brancos, «que não compravam nem vendiam». (…)”

Na citação que a seguir apresentamos, Jadin (1963:3) revela bem a situação política vivida no Kongo, no século XVIII:

“ (…) La documentation de la Propagande, les rapports des préfets apostoliques mentionnent la réception d’ambassades ou des lettres de rois annonçant leur élection et demandant les pères pour la bénédiction ou sacre royal. Les gouverneurs généraux de l’Angola, de leur côté, font part au ministre de la marine à Lisbonne du décès des rois et accusent réception d’ambassades ou des lettres concernant leur élection, lettres qu’ils disent joindre au dossier. (…) ”

Na sua opinião, o rei do Kongo foi senhor absoluto sem qualquer vassalagem ao rei de Portugal. Porém, no tempo do padre Cherubino, o reino já não representava sequer uma amostra do poder que tivera. Os chefes dos clãs (as célebres kanda) comportavam-se como senhores absolutos, mantendo, de preferência com Portugal, o negócio dos escravos. Um dos mecanismos adoptados que permitia a eliminação de possíveis opositores políticos era o ordálio (veneno justiceiro), conhecido entre os kongo por cassa in cassa (Jadin 1963: 26), utilizado normalmente em casos de suposta infidelidade conjugal por parte das mulheres. Assim, aquele ou aquela que reivindicasse inocência deveria submeter-se à prova do ordálio. Por todos os motivos, o rei ou o colégio real utilizaria com alguma frequência este método de extermínio de adversários políticos.

[1] Também se encontra assinalado, na carta, o planalto identificado como Mbanza Zombo. De facto, ainda hoje, existe a povoação ‘com mercado’ e dista de Makela do Zombo, cerca de quinze quilómetros, na direcção do Mavoio, indo depois cruzar-se, mais à frente, com Mbanza Kibokolo. O Mavoio é o local de exploração das minas de cobre da antiga Empresa do Cobre de Angola, pertença da maior empresa portuguesa, a Companhia União Fabril, propriedade do empresário Alfredo da Silva. Ainda hoje, estas povoações são perfeitamente reconhecíveis em cartas geográficas recentes, fazendo parte da memória colectiva dos actuais habitantes da região.

Notas de Rodapé
[2] Mapa apresentado no frontispício desta dissertação.
[3] Caio, Horácio (1961) Angola – Os dias do Desespero. Edição do Autor. Lisboa, p. 146.
[4] O desuso deste termo tem muito a ver com o costume. Diversas universidades brasileiras continuam, por uma questão de uma mais rápida identificação, a utilizar o termo, tal como fazem com o termo ‘raça negra’ ou ‘raça branca’.

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