BOM DIA
Trata-se de uma das expressões que utilizamos quando saudamos alguém. Porêm, na língua Kongo, existe entre outras a expressão: luxikamene que traduzida para português resulta em "Como tens passado?". Esta frase no kikongo idiomático é muito profunda, equivale a dizer "como passaste a noite, como chegaste até aqui, enfim como é que tem sido a tua vida e a dos teus.
ARTIGO EM CONSTRUÇÃO: DIOGO CÃO ERA MAÇON?

1 Laços Etno-Históricos dos Kongo e dos Pigmeus

Fotografia nº 1 - Dois pigmeus Bambutu, Azimbambuli e Abumbuku 1
Os conceitos geralmente divulgados sobre os povos que conhecemos como “pigmeus” estão envolvidos por uma certa ambiguidade, convindo aqui ressaltar algumas precisões prévias. “Pigmeu” deriva do latim [pygmaeus] que, por sua vez, provém do grego [pugnaios] (que quer dizer ‘altura de um côvado’) e tem sido empregue para designar grupos humanos antropologicamente muito diferentes entre si, mas cujo único traço comum é a pequena estatura.
Povos como os vedda do sul da península indiana e de Ceilão, os bushmen, os negritos das ilhas Andaman, os negritos das Filipinas ou Acta, os negritos de Malaca ou Senang, entre outros, são confundidos frequentemente com os “pigmeus”, porém, a estatura por si só não é uma característica que determine a pertença ao grupo. Desta forma, o termo “pigmeu” causa inúmeros equívocos.
 Aplicaremos esta designação referindo-nos apenas aos pigmeus de África. Os pigmeus, apelidados por negrilhos (o que é também impreciso) localizam-se geograficamente na floresta equatorial, em territórios compreendidos entre as florestas do Gabão ao Reino do Ruanda e do Burundi, especificando de outra forma, entre as latitudes 4º ou 5º Norte e 5º Sul, que vão da região dos grandes lagos até aos Camarões e Gabão. Consoante as populações com que contactam, recebem nomes diversificados.
1 Johnston, Harry (1908) George Grenfell and the Congo. Hutchinson and Co. Londres. II volumes, p. 332.
Deverá acentuar-se que os dados mais credíveis sobre estas populações começam nos últimos vinte e cinco anos do século XIX, quando as expedições científicas exerceram ali a sua acção. Os portugueses não têm grandes responsabilidades no assunto, uma vez que os pigmeus têm a sua implantação na grande bacia do Rio Zaire e nas zonas de mais difícil acesso. Essas responsabilidades cabem especialmente aos exploradores, missionários e sertanejos franceses, pelo lado do Congo e pelo Gabão; pelo lado dos Camarões, aos alemães; aos belgas, pelo lado do Congo ex-belga e, duma forma geral, à grande potência colonizadora que foi a Inglaterra.

 Após a ocupação efectiva europeia, os grandes movimentos migratórios bantú, que foram frequentemente violentos e arrasadores, escorraçando ou assimilando as populações mais antigas, foram dados por terminados.
 A localização actual dos grandes grupos é relativamente recente. Porém, foi também após a instalação dos europeus que, os grupos de pigmeus sofreram as maiores convulsões. A sua mestiçagem física e cultural está a culminar (depois de cem anos de conhecimento científico a seu respeito) na sua quase extinção. As expedições antropológicas deram lugar às recentes expedições turísticas. Os pigmeus começam agora a viver de actividades que nada têm a ver com a sua essência, passaram a ser garimpeiros.

 Finalizada a recolha e análise de dados disponíveis em documentação, recolhida ao longo de 25 anos, a pesquisa bibliográfica foi-se avolumando, foram e são consultadas obras seleccionadas de acordo com o tratamento do tema. Preocupamo-nos em utilizar conceitos e terminologias referentes de sobremaneira a conceitos ecológicos, biológicos, psicológicos, antropológicos e económicos, visando uma leitura interpretativa e complementar, bem como a lições desenvolvidas na cadeira de Ecossistemas enquadrada no curso de mestrado, em Estudos Africanos. De salientar, são os dados colhidos em alguns trabalhos de campo de reputação internacional incontestável, em especial a obra de Harry Johnston - George Grenfell and the Congo - que trata os primeiros dados científicos,2. Johnston, autor supra-referido, ocupa-se da descrição vivencial do missionário e geógrafo George Grenfell e do seu estudo sistemático do ecossistema da bacia do Zaire.

2 Tendo em consideração as dificuldades de contactos com fins estratégicos para a concretização de informações secretas que levariam aos resultados da ‘Conferência de Berlim’, uma vez que, as informações logísticas, técnicas e ambientais eram inexistentes na floresta equatorial.
Devemos destacá-lo como a figura central da missionação inglesa dos últimos vinte cinco anos do século XIX e ainda alguns anos da primeira década do século XX. Durante mais de trinta anos, Grenfell, descendente de outros Grenfell, proprietários de fundições de ferro e de minas de carvão, e também de destacados comandantes militares Ingleses, exerceu a sua acção na Bacia do Congo. São de Harry Johnston as seguintes palavras: “It is possible, however, that as the events of the last twenty five years recede from us into history no Grenfell will have left a more famous name than the missionary-explorer[...]”3.

 Outro trabalho de campo e, já do nosso tempo (embora diferente em muitos aspectos do primeiro), é o de um inquérito sobre os pigmeus da República Popular do Congo, da autoria de M. L. Demesse, apresentada ao seminário de G. Balandier (1971/72), no Centro de Estudos Africanos, da Escola Prática de Altos Estudos, da Sorbonne. Poderíamos acrescentar outros e valiosos contributos, mas pensamos estar o essencial mencionado.
 Este primeiro capítulo inicia a Tese de Doutoramento: ‘Os Zombo (Nzil’ a Bazombo): na Tradição, na Colónia e na Independência’ e como documento exploratório e de iniciação para todo o desenvolvimento pretendido, foi necessário que chegássemos a alguns entendimentos. A forma como decidimos fazê-lo, contempla as mais diversas áreas científicas ligadas ao assunto, daí que propuséssemos os seguintes pontos de referência metodológica correlacionados com as temáticas em análise.
3 Johnston, Harry (1908) George Grenfell and the Congo. Hutchinson & Co. Londres, p. 1

1) O ‘Ecossistema’ como conjunto estruturado de elementos vivos e não vivos, interrelacionados, isto é, que se condicionam e são condicionados uns pelos outros.

2) O ‘Biótopo’ ou conjunto de elementos físicos, não vivos, incluindo um substrato de seres vivos que aí residem e desenvolvem as suas actividades

3) A ‘Biocenose’ que é o conjunto dos seres vivos que ocupam um determinado Biótopo. Destas interrelações complexas de malhas, redes densas entre elementos do Biótopo e elementos da Biocenose de onde resulta a chamada dinâmica do Ecossistema que, por sua vez, é fruto do fluxo de energia que atravessa o Ecossistema e que provoca a circulação de matéria no seu interior.

4) O grupo de pigmeus em análise: O grupo ocidental, os Babinga, ou Baynga dos Camarões; os Bambuti, grupo oriental, ou Wambuti do Ituri e os Batwa, pequenos grupos que vivem nos meandros do Congo e a região dos grandes lagos da população pigmoide, resultado de antigas mestiçagens.

5) As relações dos bantú com os pigmeus, a aparição dos bantú no espaço milenar dos pigmeus, envolvendo-os na sua sociedade e as consequências dos contactos no espaço onde os bakongo (agricultores caçadores bantú) edificariam o futuro reino do Kongo.

De uma coisa estamos certos, tal como o título da tese o indica, este estudo tem em vista analisar, sintetizar e adicionar, com o maior rigor possível, aos estudos sobre os zombo, já anteriormente publicados (sendo esses raros), documentos factuais histórico-sociológicos e sócio-culturais que se foram prolongando no tempo e incidem ainda, no presente próximo, de forma a entendermos o progressivo comportamento das populações envolvidas com o grupo, ao longo dos tempos. Estamos empenhados em conseguir discernir sobre as motivações de uns e de outros, usando para isso memoriais de conhecimentos fundamentais como a linguística e, simultaneamente, relatos testemunhais de gente importante e de gente simples, por serem testemunho directo, por vezes, acompanhados de fotografias. Finalmente, utilizaremos os conhecimentos técnico-científicos que o assunto requer. Podemos comprovar, com um simples exemplo, a necessidade de recorrer à metodologia referenciada acima, a algo que Harry Johnston escreveu: “The descendant of the Lunda chief who thus established a sort of monarchy amongst the Bayaka with its title of “Mwene Puto Kasongo” (Kasongo, the lord of the Portuguese) was known as Kiamvo or Kiafmu (…).” acrescentou, muito a propósito que, Kasongo queria dizer “blacksmith” ou seja ferreiro, (mão de ferro) homem de ferro e o termo existe hoje ainda, no vocabulário Luba.4 No nosso entender, o Kiamvu faria saber, ‘aos quatro cantos do seu mundo’, que os portugueses eram intocáveis, estavam sob a sua estrita protecção. Por outro lado, o seu poder era enorme e isso teria a ver com a sua capacidade mágica de fundir metais (entre eles o ouro). Naquelas zonas de invulgar riqueza em cobre, existe sempre uma percentagem, mais ou menos interessante de ouro. Os comerciantes e exploradores ocidentais estavam muito atentos a estas sensíveis questões. Por outro lado e simultaneamente, sabemos que entre os kongo, o termo mubire tem a ver com os ferreiros cirurgicamente escolhidos, pelos portugueses aquando da fundação e arranque da siderurgia “Nova Oeiras”, em Angola, no século XVIII. Como dizíamos se procurarmos atentamente, vamos encontrar correlações entre os termos kikongo munto ambi e mubire, ‘homem mau’, expressão que designava todos os grandes ferreiros conhecidos. Mas há mais, como podemos ler, Johnston chamalhes kiamvo ou kiafmu. O Dicionário Complementar de Português Kimbundu-Kikongo do padre António da Silva Maia, salienta para: “senhor da terra” – mfumu ia nsi e para Senhor Deus dos Exércitos – Onfumu Nzambi ia Makesa. Finalmente, acrescentaremos que, os grandes caçadores (capazes de encantar as suas presas no sentido estrito de se aproximarem delas, quase a ponto de lhes tocarem) eram lembrados ainda, nos anos setenta do século passado, por kasongo – este termo aproxima-se muito de kasengo5. A nossa advertência vai para o cuidado que se deve ter ao serem interpretados termos fora de contexto. Mais tarde, e em altura oportuna, voltaremos a este assunto.
4 JOHNSTON, Harry (1908) George Grenfell and the Congo. Hutchinson & Co. Londres, p. 195
5 Oliveira, José Carlos (2004) De Caçador a Guerrilheiro, o meu amigo Kasengo. Revista Militar. 2425 e 2426: pp. 243-255
Mapa nº 1 - As chuvas na África Equatorial, escala de 1 :25.000.000: 1. Precipitações de menos de 500 milímetros3; 2. De 500 a 1.000 milímetros3;3. De 1000 a 1500 milímetros3; 4. Mais de 1.500 milímetros3.6
Esta região africana, do ponto de vista ambiental, é caracterizada por ecossistemas da floresta tropical da bacia do rio Kongo ou Zaire7 e dos seus afluentes, com grande produtividade bruta. Abrimos aqui um parêntesis para acrescentar que rio Zaire ou N’Zadi é conhecido por ser ‘o encontro das águas’, porém, o que está em causa, é o significado que a palavra tem para os kongo. Esta expressão subentende os rios que fazem esse encontro, por exemplo, o rio Nkisi (‘o dos espíritos’) ou o Kuango (‘o da força da vida’) fazem parte do grande Zaire. Regressando, ao estudo do meio ambiental, verificamos que a evapotranspiração (soma da quantidade de água transportada pelas plantas e evaporada pelos solos) tem um papel muito importante no ciclo da água sobre os continentes. No caso da floresta do Kongo, pode-se comprovar que a maioria dos fluxos de águas pluviais é assegurada pela evapotranspiração, de sorte que, a bacia do Kongo vive quase em economia fechada.
6 Blache, Paul Vidal et L. Gallois (1927-1948) Les conditions naturelles. Géographie Universelle. A. Colin. Paris. Tomo XI (2),p. 19
7 Zaire ou ainda Nzadi, porque o consideraram e bem, os seus habitantes que ele fosse ‘o encontro das águas’, aquilo a quenós chamamos afluentes e confluentes.
O sistema pluvial da bacia do Kongo ou do Zaire reparte-se com as seguintes médias anuais: em primeiro lugar, as zonas de precipitação inferiores a 500 mm3, em segundo lugar, as zonas de precipitação de 500 a 1.000 mm3, em terceiro lugar, as de precipitação entre 1.000 e 1.500 mm3 e, finalmente, as zonas com precipitação além dos 1.500 mm3. Todos os fenómenos de tal abundância de chuvas encontram a sua explicação, em relação à sua situação geográfica, face ao Equador e à distância do oceano Atlântico, não esquecendo os regimes de pressões e ventos com a zona relacionados.
Mapa nº 2 - África equatorial; Carta das formações vegetais. Escala 1: 15.000.000. (1. Floresta virgem, 2. Espaço dos planaltos de savana; 3.Estepes com Matas arbustivas esparsas; 4. Estepes pobres e sem árvores; 5. Vegetação de pântanos; 6. Limites da área de extensão de palmeiras de dendem; 7. Limites das grandes plantações de Bananeiras) 8
A floresta tropical húmida do Kongo tem uma superfície de mais de 1.500 quilómetros2, exigindo condições de vida muito particulares e drasticamente imperativas. As árvores são de proporções gigantescas com lianas entrelaçadas, por vezes em terrenos pantanosos, chegando a atingir 60 metros de altura, frequentemente encostadas umas às outras, sendo conhecidas mais de 3.000 espécies. As palmeiras, especialmente, a que fornece o vinho [raphia vinífera], bem como a que fornece o óleo de palma, a [Elaeis guineensis] e ainda, a bananeira fazem parte da dieta das populações humanas e não só. Por todo o lado, transpira a humidade, sendo considerada uma ‘floresta-esponja’, assim designada pela força brutal da evapotranspiração. De manhã, erguem-se densas brumas do solo saturado de água, as trovoadas são breves, mas chove quase todo o ano.9

8 Blache, Paul Vidal et L. Gallois (1927-1948) Les conditions naturelles. Géographie Universelle. A. Colin. Paris. Tomo XI (2)
9 Blache, Paul Vidal et L. Gallois (1927-1948) Les conditions naturelles. Géographie Universelle. A. Colin. Paris. Tomo XI (2)


As características mencionadas são as suficientes para limitar profundamente a vida humana: os raios de sol pouco penetram na imensidão de folhas até chegarem ao solo, dificultando por isso tremendamente a adaptação do organismo humano para além da visão indispensável às deslocações nestas circunstâncias. A vida humana está assim envolvida por uma precariedade semelhante (em termos opostos) à vida no deserto. Como sabemos, a aclimatação dos seres humanos passou, ao longo de milhares de anos, por modificações fisiológicas, nas novas condições ambientais dentro dos limites de tolerância – temperatura e água.
  Compreender-se-ão agora melhor, as estratégias de sobrevivência dos povos pigmeus: de manhã, não saem dos abrigos, esperam que o sol trespasse a ramagem para irem em busca da subsistência diária. As principais actividades levadas a efeito por estas populações nunca fizeram perigar o sistema. Sempre existiu um desenvolvimento sustentável, o que implica uma gestão própria de economia e de organização social, dentro dos limites que a floresta tropical do Kongo possibilita aos povos pigmeus nas suas actividades.
  Os pigmeus são melanodermes e constituem, em África, um grupo humano à parte. É definido por vários traços anatómicos e fisiológicos: a estatura (cuja média é de cerca de 1.56m, para os homens, e 1.45m, para a mulher do grupo ocidental, 1.44m para os homens, e 1.33m, para as mulheres do grupo oriental); a pilosidade acentuada (mais desenvolvida que a dos bantú), a cor da pele castanho-avermelhada ou castanho amarelada; o nariz largo e achatado (plati-acentuado); o crânio mesocéfalo, muito desenvolvido em relação ao corpo; o aspecto atarracado; um prognatismo moderado; uma grande secreção da glândula tiróide; um ritmo cardíaco lento; descida estatística do grupo sanguíneo O e aumento dos grupos A e B. São estas as suas características anatómico-fisiológicas mais assinaláveis. Com efeito, a estatura dos pigmeus é o resultado dum factor de adaptação à floresta equatorial.10 Apresentam dolicocefalia, nuns casos, e, noutros, braquicefalia e ainda lábios razoavelmente finos. O seu nicho ecológico permitiu-lhes adquirir certas características, próprias da floresta equatorial.
10 DEMESSE, M.L. Ecole Pratique des Hautes Etudes Centre d’Etudes Africaines dans la cadre du Séminaire du professeur George Balandier, 1971/1972

Desta forma, podemos dizer que não há raças, o que existem são locais resultantes de condições ambientais, num determinado ponto, onde a população humana se desenvolveu em determinado nicho ecológico, permitindo em diferentes zonas da terra, marcar as diferenças físicas humanas. O nicho ecológico abrange não só o habitat, mas as condições naturais onde a espécie ou população ou populações diferentes encontram o seu óptimo, e mais ainda, as estratégias de sobrevivência que são as alimentares e reprodutivas.
Mapa nº 3 - Mostra a distribuição dos pigmeus mais ou menos ‘puros’ no Kongo, vivendo aparte de outros grupos com proeminentes elementos pigmeus na população 11
Portanto, está ultrapassada a noção de habitat resumida ao lugar e condições físicas desse espaço (temperatura, humidade, pluviosidade, tipo de solo, entre outros aspectos). Porém, quando nos referimos ao nicho ecológico, ultrapassamos essas condições físicas, para integrar as condições e as várias estratégias usadas afim de se reproduzirem e alimentarem. Os pigmeus andavam e ainda andam nus (nas zonas mais recônditas), protegendo somente o órgão sexual; a pele escura é uma adaptação biológica, são pequenos e magros, reúnem as condições adaptativas ideais do homem dito primitivo. Formam três grandes grupos étnicos espalhados pela África Central. Primeiramente, os chamados batwa, bacwa ou ainda baka baka, pigmeus do centro, ribeirinhos dos afluentes da margem esquerda do Zaire, sendo o seu número estimado em 15.000 indivíduos e já resultam de antigas mestiçagens, que as margens do rio permitiu.

11 JOHNSTON, Harry (1908) George Grenfell and the Congo. Hutchinson & Co. Londres, p. 499

 Segundamente, o grupo oriental wambuti ou wambuti (akkas, efes e basuas), sendo curioso este apelido de ba-mbuti, que na língua kikongo sugere no prefixo ba – “povo” e no substantivo “mbuti” – “o mais velho”; pode muito bem aproximar-se da designação de antepassado. Vive na floresta do Ituri, a sul de Auellé, limite do Zaire com o Sudão, estimando-se o seu número em trinta e cinco mil.

Finalmente, o grupo ocidental, os Babinga ocupam o norte da República Democrática do Kongo – Brazzaville, entre o Sangha e o Oubangui, estendendo-se para o sul da República Centro Africana, a sudeste dos Camarões e a este do Gabão; o seu número rondará os quarenta mil indivíduos.

Os pigmeus são, assim, cerca de noventa mil no cômputo geral. Segundo alguns autores, têm alguma resistência a diversos factores patológicos locais (doença do sono, paludismo) mas uma grande vulnerabilidade para as infecções cutâneas (úlcera), entre outras.

Esta sociedade que, pela sua economia predadora, está condicionada pelo seu meio natural é considerada uma sociedade arcaica, por excelência, tipo perfeito da sociedade de fraco desenvolvimento técnico e elemento mínimo sociológico. A etnologia tradicional considera-a fixa, num equilíbrio harmonioso e imutável, passível de escapar aos efeitos da colonização. Trata-se de uma sociedade sem chefe, monogâmica e com um sistema de autoridade tradicional, fundado em valores cinegéticos – os pigmeus resolvem tudo por consenso e acordo tácito. O poder difuso permite-lhes evitar conflitos, vivem pacificamente e toda a sua cultura tende para a não-agressividade e para o desenvolvimento de laços de solidariedade. Os povos que vivem da colheita e da caça têm quase todos estas características, conhecem um tipo de cultura original fundada numa economia consistindo na exploração directa dos recursos vegetais e animais do meio natural, ou melhor, dos recursos primários da floresta equatorial, sendo constituídos exclusivamente por recursos alimentares e de abrigo (dos quais o homem não pode prescindir) excluindo a agricultura e a criação de gado.

 Apesar do poder ser difuso, uma figura emerge e a sua função está assente sobre as qualidades cinegéticas, uma parte da autoridade pertencia e ainda pertence ao antigo caçador de elefantes que era, simultaneamente, um dos chefes do acampamento e guardião da floresta. Aliás, é conhecida a expressão ‘onde estiverem os elefantes estão os pigmeus’. Em termos de sobrevivência, tinham na caça, nos cogumelos e no mel, apanhados durante o dia, a dieta mais que suficiente. São os filhos do Toré como dizem os pigmeus bambuti do Ituri. Os pigmeus andaram sempre ligados a dois elementos: ao mel e ao elefante. No caso do mel, são recolectores (praticando esta recolha durante o período das chuvas). Nessa altura, todas as manhãs, grupos de homens acompanhados de mulheres e crianças já aptas para a entreajuda dirigem-se à zona onde sabem haver colmeias. O mais rápido do grupo avista o enxame no meio da folhagem das árvores, por vezes, a quarenta metros de altura e mais. De seguida, começam os preparativos habituais, as mulheres entrelaçando vimes, preparam os cestos de malha larga destinados à captura da colmeia, acendem uma fogueira e soprando provocam o lume, rapidamente produz-se o fumo que sobe em direcção à colmeia. O chefe do grupo sobe ligeiro à árvore agarrando-se às lianas, levando consigo o machado. De repente, soam as machadadas e o favo de mel solta-se, caindo no tapete almofadado das folhas no solo. O chefe do grupo desce imediatamente. No regresso, a colecta será dividida em partes iguais. A coesão do grupo depende da ‘lei da partilha’. Não vale a pena acumular, amanhã encontrarão outro enxame, não necessitam de provisões. Esta flexibilidade permite o precário estacionamento, limitandose às flutuações da caça, da colecta e da água, dentro do determinismo geográfico. No que concerne aos elefantes, quando os abatem são evidentemente caçadores, constituindo o elefante um desafio da própria natureza. O pigmeu que entrar no grupo de caçadores de elefantes adquire um estatuto próprio. Usam diversas formas para matar o elefante, dependendo do grupo. Assim, uns preferem atacar o elefante à azagaia, tentando cortar-lhe depois os tendões das patas traseiras. Caído o animal, cortam-lhe a tromba, provocando a hemorragia fatal. Outros grupos não o enfrentam, fazem grandes batidas, conduzindo-o a um determinado local onde está disfarçada uma cova; o elefante na sua correria cai, ficando indefeso, abatem-no então com pequenas zagaias utilizando setas envenenadas por veneno feito a partir de raízes, cujo efeito é letal e paralisa o coração. Assim, preparam essas setas que são feitas de nervuras de palmeiras, extremamente leves, com alguns milímetros de espessura, colocando folhas na parte traseira de modo a equilibrar a direccionalidade da seta.
Fotografia nº 2 - Grupo de pigmeus bambuti 12
Como é sabido estas populações passam dias a fio, estudando a melhor altura e espaço para capturarem os elefantes, por isso, ao andarem na sua pista, mantiveram durante séculos e séculos, o seu sistema nómada que não permitiu o aperfeiçoamento da sua tecnologia rudimentar. Viviam e ainda vivem em pequenos acampamentos, construindo, ao longo de um só dia, as suas cabanas de finos troncos revestidos de folhas. Quanto ao casamento fundado sobre o sistema de reciprocidade directa, designado assim por ‘cabeça por cabeça’, implicava que o homem ao escolher uma mulher de outro acampamento, oferecesse em compensação uma mulher da sua própria família a um homem do acampamento da sua esposa. A sua organização familiar e social, em consequência do seu contacto e posteriores relações com os bantu, passaram da monogamia à poligamia e de um sistema de autoridade tradicional, fundado sobre os valores cinegéticos, a uma chefia imposta pelos agricultores, deixaram para traz a mentalidade fortemente comunitária de recolectores de alimentos; o interesse do grupo anteriormente subjugava o interesse individual. A vida obrigava-os a minimizar os riscos da morte. Era na socialização que as crianças aprendiam a ser pacíficas, conforme o objectivo cultural do grupo, preferiam tudo que envolvesse a tendência à associação, à entreajuda e à solidariedade. Nos povos caçadores-recolectores, a defesa dos interesses de cada grupo e a determinação do espaço físico não se faz obrigatoriamente com recurso à guerra. Os direitos de propriedade eram subestimados e os de uso da terra também.

12 JOHNSTON, Harry (1908) George Grenfell and the Congo. Hutchinson & Co. Londres. 2º Vol., pág. 502

A zona ecótona da floresta equatorial (a orla da floresta) com a floresta de galeria permitiu a instalação dos povos bantú e, desse modo, entraram em contacto com os povos pigmeus. Ao longo dos séculos, e através da sua nomadização até à fixação em determinados locais favoráveis à sua existência e reprodução foram-se aclimatando, adaptando-se a novos nichos ecológicos ou a novas condições ambientais. A aclimatação não é mais nem menos do que um processo de adaptação de indivíduos a novas condições, passando por modificações fisiológicas, quer dizer do metabolismo, condicionado pela sua carga genética.

 Este tipo de envolvimento florestal compreende o encontro com a floresta virgem, propriamente dita. Nas margens do seu perímetro encontram-se certos espaços planálticos, fazendo parte da bacia do Zaire, seguidos, por vezes, de vales profundos e húmidos onde a vegetação continua a ser a floresta muito parecida com a floresta chamada virgem. As diferenças estão na estrutura das árvores, menos altas, o espaço entre elas mais aberto, em especial na sua orla, e a amplitude da floresta não passa de dezenas de quilómetros. Assim sendo, este tipo de floresta torna-se mais habitável, a fauna mais numerosa com exemplares de grande envergadura. A obscuridade alterna com grandes espaços de luz, clareiras naturais onde a mosca tsé-tsé não habita. Estas florestas são sobretudo numerosas na região que se estende, entre a zona atlântica e a bacia do Zaire propriamente dita, existindo de permeio uma zona de árvores enormes em densa floresta que é a zona do Maiombe do Niari e do Kuilo. Consoante o regime de chuvas vai escasseando, assim a vegetação vai rareando, dando lugar à savana e ao matagal (aquilo a que chamamos ‘floresta arbustiva’).

 As considerações etno-históricas que se seguem, não pretendem ser mais do que um esboço de enquadramento para a compreensão das relações dos diversos grupos bantú com os grupos de pigmeus, disseminados pela floresta equatorial. Um dos ramos bantú teria penetrado no Kongo, por volta do século XIV, torneando o rio Zaire, pela sua margem direita, e só parou quando avistou o Oceano Atlântico. Fixaram-se entretanto em toda a região, menos na floresta dos pigmeus, miscigenando-se com as populações que foram avassalando, rodeando as nascentes do Zaire e subindo os vales dos seus grandes afluentes.

 Sob o ponto de vista linguístico, os bantú são o resultado provável do cruzamento, ao longo de milénios, entre hamitas, hotentotes e bosquimanos. Não admira portanto a presença, por vezes, de alguns contrastes físicos entre os sub-grupos que constituem os grupos bantú, de onde resultam alterações sensíveis produzidas, ao longo de séculos, devido à permanência em zonas tão opostas como o deserto, a savana, a floresta ou a montanha.

 No Caso dos kongo, integrados no grande grupo sócio-linguístico bantú, em finais do século XIII e princípios do século XIV, ressalta a emergência do reino do Kongo, cujo título era o ‘mani’, palavra de radical bantú que quereria dizer o mesmo que o ‘mwana’ dos xonas ou o ‘mwene’ dos mutapa, tal como a palavra inglesa ‘king’ é parente da alemã ‘könig’. No entanto, a nós (pela nossa experiência de conhecimentos linguísticos kikongo e kimbundo) quer-nos parecer, compulsados por sinónimos dos dicionários, especializados naquelas línguas, o seguinte: o rei não autorizaria ninguém a aplicar a palavra Eu (mono), mas sim a palavra Senhor que traduzida daria mwene, cujo significado se prende com o poder advindo do sagrado tal como Luís XIV fora entronizado rei-Sol, daí a aplicação dos dois termos, por exemplo, ‘Monomutapa’ e ‘Mwene Mutapa’. Trata-se de um ponto de vista etimológico e linguístico.

 Só no final do século XIX, após a ocupação europeia, os grandes movimentos migratórios dos bantú foram dados por findos. A localização onde permanecem a maior parte dos seus sub-grupos é portanto relativamente recente. Foi numa destas as zonas que se implantaram os agricultores kongo. Mas quais os traços de origem destes grupos de agricultores-caçadores? A zona dos grandes lagos é o maior ecossistema do continente Africano, assente numa bacia lacustre, abrangendo mais de vinte lagos. Esta zona é o terminus de uma ‘rota de povoamento africano’, a chamada ‘Rota do Nilo’, que nasce no lago Vitória e vai desaguar no delta do Damieta, em Alexandria. As civilizações africanas atingiram o seu apogeu no século XIV e XV, os “ferreiros” negros sabiam trabalhar o ouro, o cobre, o bronze e mesmo o ferro, este último, desde o ano 1000 da nossa era.13

Três grandes rotas de povoamento tiveram lugar no continente africano: uma, percorrida por árabes provenientes da península da Arábia; outra por cabilas (povos nómadas que andam com o seu gado caprino e quando se acaba o pasto mudam-se para onde este existe) e outra, por povos de pele escura. Podem distinguir-se, entre estes, quatro grandes grupos: os negro guineenses que habitam a floresta da Guiné (África Ocidental), os negro sudaneses, habitantes de toda a área de estepe da zona sub saariana, entre o deserto do Saara e as savanas da Guiné e ainda o norte dos Camarões e existem também os nilóticos que habitam as zonas do Alto Nilo, entre eles os Nuba e finalmente os povos de língua bantú, habitantes das zonas de florestas dos Camarões até ao sul de África. Este tipo de abordagem não parece, segundo opinião do reputado historiador Arnold J. Toynbee, ser satisfatória para os estudantes das universidades africanas: “Aos olhos do negro africano, o visitante ocidental que citou inocentemente o Egipto como um país africano que deu um contributo importante para a história do mundo ter-se-á incriminado a si próprio por aceitar a “hipótese hamítica”.14

Será preferível atribuir-se a estes povos a indicação de grupos sócio-linguísticos de língua bantú. O singular e o plural das palavras nestes povos é antecedido por prefixos e não por sufixos. Todos estes povos têm um radical que pode ser pronunciado de maneiras diferentes, existindo dialectos diferentes, possuidores de construções gramaticais diferentes. Para usarem a prefixação e sufixação, que identifica o plural e o singular das palavras, utilizam para o singular o prefixo mu e para o plural o prefixo ba e todos eles utilizam uma mesma palavra radical para designar cabeça ou gente: o radical ntu. Por isso, estas palavras nunca podem ter um s no final porque a prefixação já indica singular ou plural. Os próprios grupos de pigmeus são integrados nos povos de língua bantú.

13 Dumont, René (1965) A África começa mal. Publicações Dom Quixote. Lisboa, p.23
14 Toynbee, Arnold (1964) África Árabe África Negra. Arcádia. s/d, p. 10


Os povos negros agricultores penetraram na floresta e atingiram a zona dos grandes lagos, aí se foram implantando ao longo das várias migrações, havendo ainda hoje zonas desabitadas. A zona dos grandes lagos é um ecossistema diversificado. Morfologicamente, encontramos aqui desde áreas de planície às grandes depressões com mais de 300 metros de profundidade (abaixo do nível do mar), planaltos propícios a criação de gado e altas montanhas como o Kilimanjaro, o Monte Kénya e o Rovenzóry. Em função da própria geografia encontramos, entre a zona tropical e o equador, a floresta virgem, a floresta arbustiva na média altitude e a estepe, a savana e a tundra nas grandes altitudes.

 Os climas vão do quente e húmido, próprio da zona equatorial, até climas temperados da zona planáltica a climas quentes e secos das zonas das estepes e até climas frígidos das grandes altitudes. É na zona interlacustre onde talvez possamos encontrar populações de vária ordem, todas elas negróides, umas de origem negra especificada com uma grande antiguidade e outras mais recentes. Para a sua ocupação situaremos primeiro, cronologicamente, quatro grandes convulsões verificadas no espaço interlacustre, quatro grandes migrações, e dirse- á convulsões porque qualquer destes fenómenos migrantes modificou por completo as instituições que existiam e que prevaleciam nesta zona.

  Esta polivalência da área serviu de pólo de atracção de implantação demográfica, não conflituosa; havia espaço para todos, não se disputava território, e sobretudo não havia gado, eram povos agricultores, não necessitavam de grandes espaços para desenvolver a sua economia e isto manteve-se até ao século oitavo. Cada povo tinha o seu próprio chefe era independente de outro povo, apesar de viverem num conjunto limitado por esse espaço interlacustre. A coexistência não implicava o conflito. Mas aproximadamente no século oitavo surgiu aqui a 1ª grande revolução, com uma migração maciça para esta zona. Sobre que povos foi criada esta instituição política? Sobre povos negro sudaneses, negro nilóticos e negro bantú. Esta zona até ao século onze foi povoada por grupos negróides de origens diversas, desde os da área sudanesa, semi-deserta aos povos negro nilóticos todos eles agricultores, e povos de língua bantú como eram os baganda e os fipa entre outros15. Isto significa que existiam na zona, povos com unidades linguísticas diferentes relacionados uns com os outros e que foram sendo integrados no seu processo linguístico dentro desse grande grupo, os bantú. Os próprios pastores bakuezi só passaram a utilizar este prefixo depois de integrados nesta área linguística, originariamente eram conhecidos pelos kuezi ou luezi, assim designados pelas populações existentes na zona. Os pastores desdenham a agricultura, mesmo quando as mulheres a praticam. O proprietário do gado conhece um por um, todos os animais do seu rebanho, passam horas a examinar-lhes os cornos e as bocas celebrando-lhe canções em seu louvor. Se um animal morre o desgosto é tão grande como se de um filho se tratasse. O leite é recolhido pelos homens em vasilhas de madeira ou em cabaças, sendo lavadas com urina de vaca e defumadas diariamente por cima de uma fogueira de bosta.16

15 Informação obtida aquando a frequência do Curso de Antropologia Cultural, na disciplina de quarto ano de Sistemas Culturais, ministrada por Fernando Chambino.
16 Paulme, Denise (1977) As Civilizações Africanas. Publicações Europa-América. Lisboa, p.70

Fotografia nº 3 - O contraste de um kongo e ensikongo18
Acerca da origem dos povos bantú, muito se tem escrito e as mais variadas opiniões têm sido formuladas, porém uma verdade ressalta, os bantú em permanente rota de migração provêm duma extraordinária explosão demográfica, atravessaram a floresta equatorial e chegaram a terras do Kongo no princípio da era cristã.17 Os povos que tem ao longo da história de África demonstrado mais vocação unificadora são os pastores, embora se encontrem alguns reinos entre os agricultores. É evidente que para isto colabora também a geografia, enquanto o agricultor vive na floresta o pastor vive na savana e na estepe e a floresta em vez de ser um elemento físico de coesão é um elemento físico de dispersão.
O homem com gado precisa de muito mais espaço para se implantar do que esse mesmo homem sem gado, ao precisar de se alimentar faz ali a sua área de cultura, mas se tiver gado, a área de cultura existente só dá para dar de comer a uma cabeça e isso tornava insuportável a vida aos agricultores que então abandonaram a região com um gado mais pequeno dirigindo-se para parte sudeste do lago Shade, percorrendo as margens do rio Shari e do Logone, os dois rios que definem a parte sudeste do lago Shade e avançaram para a região interlacustre. Durante três séculos do século VIII ao século XI, foram integrando povos, integração política suportada por diferentes indicadores, a homogeneidade linguística sobressaía de entre eles como uma similitude cultural, foram colocados no espaço ao nível de chefatura, visto que até então os povos anexados eram segmentários, viviam em áreas ao nível de chefaturas dispersas, e daqueles milhares de chefaturas existentes no lago Shade, constituíram três, das quais a mais importante era a de Mugangaíza (curiosamente pode significar em kikongo mu- nganga–iza “O mágico está entre nós”). Pela primeira vez, apareceu uma organização política definida, não ao nível de estado tradicional, mas de um poder médio, surgiu o local onde o chefe vivia que era a capital da chefatura, povoação a que chegaram seguindo o curso do Ubangui, atravessaram o Zaire, Angola e chegaram ao Atlântico. Foram caminhando sempre em direcção ao sul, e na sua passagem escravizaram os pigmeus e os bosquimanos.
 Um dos estados com relativa importância nesta zona geográfica foi o reino de Luango, que compreendia povos avassalados, habitados por antepassados dos actuais fiote e bavili. Para leste do rio Luango, o reino dos anzico era povoado por bateke (antepassados dos kongo) e baiaka; para o sul era o reino de Ndongo cujo rei usava o título de Ngola. O reino do Kongo estava dividido em quatro províncias governadas por quatro príncipes filhos da irmã do rei.
 Entretanto já os pigmeus tinham enveredado, sob a influência dos bantú, entre eles os kongo pela prática da agricultura, todo o processo de vida mudou passando a vigorar o direito tradicional africano com todas as versões que se lhe conhece tendo como fonte, a vontade dos ancestrais. As partes não são os intervenientes directos nos actos jurídicos, mas as respectivas famílias, representadas pelos chefes, que em nome delas se arrogam os direitos e as sujeitam às sanções.

17 Altuna, P. Raul de Asúa (1985) Cultura Tradicional Banto.Secretariado Arquiodiocesano Pastoral. Luanda, p.14
18 JOHNSTON, Harry (1908) George Grenfell and the Congo. Hutchinson & Co. Londres. 2º Vol., pág. 522


 Por esta época, o dispositivo técnico-económico dos babinga da zona ecótona já não estava baseado só na caça e na recolha. Tinham iniciado o consumo crescente de alimentos que implicavam um alargamento de trocas com os bantú e, muitas vezes, o aparecimento de uma pequena agricultura que, a par e passo, com o processo de sedentarismo, se acentuava, dependendo, por vezes, do lugar de fixação. A estratégia de cooperação deixou espaço para uma nova situação social, colocando os babinga sob a estreita dependência dos agricultores aos quais estavam ligados, por violentos actos de submissão.

 Variadíssimos trabalhos trataram os bambuti, (ou wambuti, tratamento usado no seio do povo). Destes trabalhos faremos continuamente referência, utilizando como fonte os estudos apresentados no seminário do professor Balandier, ressaltando os de P. Schebesta e C. Turnbull pela sua importante contribuição. Os bambuti tinham uma técnica muito rudimentar. A prática da troca com os seus vizinhos sedentários walesi permitiu-lhes obter o ferro para o fabrico de machados, lanças, o que explica a personagem chave desta relação: o ferreiro. Ambos os povos passaram a participar de festas e rituais comuns, especialmente as que se referiam à preparação do casamento duma mulher pigmeu com um bantú, sendo a jovem apresentada a toda a aldeia pelo próprio pai. O vestuário de panos começou a fazer a sua aparição, em especial como dote das iniciadas que encetavam a nova forma de vida. Ao contrário deste sub-grupo, os babinga, localizados mais a norte, nunca tinham sido estudados em profundidade e de forma sucessiva. Surgem unicamente os ensaios, segundo M. L. Demesse19, de Poutrin (1911-1912) com as suas preciosas investigações de antropologia física, a que podemos acrescentar os de R. Hartweg (1946) e ainda a obra do padre Trilles (1932), que percorreram caminhos dispersos e confusos de, por vezes, discutível cientificidade, estando desta apreciação isentos, segundo a mesma, os trabalhos de campo dos sociólogos A. Hausser (1953) e G. Althabe (1956).

 Esse estudo mais aprofundado sobre os babinga foi executado por M. L. Demesse (1954). Assim, em termos culturais, sabemos que a mestiçagem física antecede a mestiçagem cultural. Os pigmeus não foram programados de modo a definir a sua natureza humana, foram, são e serão um produto cultural, mesmo em diversos aspectos, na sua configuração física, no controlo das suas funções orgânicas e no comportamento social. Pelo que já foi exposto, não poderá conceber-se uma natureza humana fora da influência social, do seu relacionamento com os outros. Até os pormenores do ambiente físico, nos primeiros anos de vida, desde a habitação aos aspectos da paisagem circundante, ao clima, entre outros aspectos, modelam o indivíduo para o resto da vida.

19 Demesse, M. L. (1972) Enquête sur les pygmées de la République Populaire du Congo. Séminaire du professeur Balandier. Ecole Pratique des Hautes Etudes. Centre d’Etudes Africaines. Paris.

Aliás, as populações batwa do Ruanda são já o produto de antigas mestiçagens dos pigmeus com os bantú da orla da floresta, apelidados pelos babinga de “negros grandes”. Para compreensão do fenómeno das relações entre pigmeus e kongo, são de relevante importância alguns factores que se manifestam depois da chegada dos bantú à zona ecótona, ou seja, à zona de transição, que estabelece a ligação entre a floresta e a savana, permitindo a partilha de elementos de um e de outro ecossistema e, por conseguinte, o aparecimento desta cooperação. Os bantú necessitavam dos pigmeus para penetrarem na floresta, sendo os pigmeus atraídos pela mudança, embora houvesse sempre focos de resistência.
Mapa nº 4 - Género de vida dos indígenas da África Equatorial. Escala 1:20.000.000. 20/21
20 Zona onde a mandioca domina sobre os cereais na alimentação indígena; 2. Tribos de Artesãos; 3. Tribos de Comerciantes; 4. Limite ocidental da vida de pastorícia; 5. Limite entre a zona de cubatas rectangulares (a oeste e ao centro) e a zona de cubatas cónicas (a norte a este e a sul); 6. Trabalho de ferro; 7. Trabalhos de cobre; 8. Tecelagem; 9. Cestaria; 10. Objectos de barro.
21 LA BLACHE, Paul Vidal de e GALLOIS, L., Geographie Universelle, Vol. 12. Afrique Equatoriale, septentrionale e ocidentale (1ª e 2ª parte) - 1937-1939 - Congo Belge, pág. 73.


 Tradicionalmente, entre os bantú, a floresta era do rei. Aí, era impensável caçar ou cortar árvores, nem sequer lá penetrar. Sabe-se que muitos ritos de passagem africanos se fazem, ainda hoje, com cerimónias secretas em bosques sagrados, onde os iniciados nos segredos do sub-grupo, são os únicos mandantes. Estas similitudes são suficientemente perceptíveis se, como nos diz Mircea Eliade, atendermos às ligações místicas entre árvores e homens (árvores antropogenésicas), como receptáculo das almas dos antepassados. É de relevante importância o casamento das árvores presentes nas cerimónias de iniciação. Em muitas civilizações, a árvore, talvez devido à sua longevidade (algumas com mais de dois mil anos) aparecem como árvores da vida. É evidente que não se trata das árvores dos nossos quintais, mas de árvores simbólicas da vida.22

 Um dos aspectos mais característicos e, quase sempre, consequência secundária da sobreposição de diferentes sociedades no mesmo espaço, é a existência, em muitos grupos ou sociedades, negro-africanas, de chefes ou donos da terra, cujos poderes derivam das prioridades de instalação dos seus antepassados.

 Os kongo, parte dos antepassados dos grupos linguísticos bantu, que ocuparam parte de Angola e Kongo, como por exemplo, os mbundo, os ovimbundo, os lunda-chokue, entre outros povos, que se expandiram em diversos núcleos entre os Camarões e a Nigéria, bordeando a bacia do Zaire ou Kongo. Os kongo, imigrados para as terras Téké (margem norte do rio Zaire) atendendo à ocupação ancestral, as terras continuaram a ser consideradas como habitadas pelos espíritos dos antepassados da etnia primitiva. Para permitir a exploração dos recursos da terra às duas sociedades fixadas no mesmo espaço, especialmente sob a forma de agricultura, foram necessários diversos arranjos ritualistas, outras tolerâncias e acomodações, na estrutura social dos kongo e dos autóctones téké, de forma a não ‘irritar’ os antepassados e permitir a subsistência dos vivos.

 Assim, se podem resumir os laços etno-históricos destes dois povos. Nos dias de hoje, os pigmeus sofrem pela mestiçagem física e cultural, duma quase extinção. Actualmente o objecto mais desejado é o rádio e os pigmeus que frequentam as escolas já vivem nas cidades, embora, de vez em quando, regressem por uns tempos à floresta.

22 Eliade, Mircea (1949) Tratado de História das Religiões. Edições Asa. Porto, p. 377.

 Por exemplo, nos Camarões, com mais de 17 milhões de quilómetros quadrados de floresta tropical  húmida, o país é muito rico em recursos naturais de onde ressaltam o petróleo e as madeiras, havendo árvores com mais de 900 anos. O corte dessas madeiras tornou-se extremamente rentável para as empresas de construção. Os pigmeus assistem ao modo como o seu ecossistema vai sendo violado e ironicamente para muitos deles a única forma de sobreviverem é encontrar trabalho nessas empresas. A política dos madeireiros é de que estão a ajudar os pigmeus, por isso procedem às operações de aparelhagem de madeira na própria floresta. Os pigmeus são tolerados pelos outros trabalhadores bantu, mas na maioria dos casos, são-lhes atribuídas as tarefas mais difíceis, por sua vez, os europeus empregados nas fábricas são de opinião que é difícil trabalhar com pigmeus; quando começa a época da caça, desaparecem durante 15 dias ou um mês, por isso, a maioria de trabalhadores madeireiros na floresta são bantú. Porém, sempre que é necessário abrir caminho na floresta, procurar ouro ou fazer dos pigmeus garimpeiros e ainda transaccionar marfim em bruto, a mais valia ainda se encontra do lado deles, resta saber quanto tempo durará esse monopólio.


1.1 Factores Estruturantes da Cultura Tradicional Zombo

Os fundamentos políticos, sociais, económicos e culturais que se descrevem a seguir, pretendem suportar o enquadramento histórico-sociológico das comunidades humanas, sucessivamente implantadas, ao longo dos tempos, na Bacia Convencional do rio Zaire. Estes conceitos encontram explicação em termos de geografia humana, na antropologia cultural e social, vivida nos espaços das margens do grande rio, estando incluídos os seus afluentes e principais confluentes. Os contactos resultantes dessas aproximações impuseram, acima de tudo, às nações colonizadoras ocidentais, tremendos esforços de adaptação ao meio natural e social. Assim, as conclusões a que as potências colonizadoras chegaram, nos anos sessenta do século XIX, permitiriam um consenso geral para uma intervenção conjunta, embora a cada potência coubesse uma zona de intervenção específica.
De qualquer modo, existiu um acordo internacional que viria a facilitar a convivência, na zona da grande bacia do rio Kongo, referimo-nos à ‘Conferência de Berlim’ iniciada em 1884 e concluída em 1885. Existiram condições excepcionais de convivência comercial nas zonas exclusivas de trocas e intervenção política. Com estes pressupostos estava a começar a escrever-se a história pós moderna dos países africanos que saíram ultimamente da esfera colonial da Inglaterra, da França, da Bélgica, de Portugal e da própria Alemanha.

Neste mundo económico, em que vivemos, nada é estático mas, em alguns lugares, como é o caso de África, os condicionalismos estruturais foram e ainda são avassaladores. Segundo a opinião de Arnold Toynbee, destacada por Andrew Kamarck (1971:23) este continente começou a atrasar-se materialmente há muitos séculos: ” (…) O deserto ao norte, as cataratas junto à foz de rios, que impediam a navegação, isolaram os africanos e privaram-nos da mescla de povos que produz civilização. O resultado é estarem atrasados cinco mil anos e a pagar o preço disso. Penso que os africanos são tão competentes como qualquer outro povo, e cinco mil anos são, na verdade, pouco tempo, mas os africanos têm uma grande distância a recuperar (…)”. Os factores que consideramos mais relevantes, descrevê-los-emos, de seguida, tecendo a seu respeito as considerações que julgamos serem convenientes:

1.1.1 A Sucessão

Em África, de uma forma geral, o líder deverá ser sempre um homem e, por uma simples razão, é que a implantação demográfica, no continente africano, baseou-se num fenómeno ainda hoje evidente e que repousa na teoria da conquista e da submissão de outros povos por via militar. Trata-se também de um fenómeno de sobrevivência, definindo, duma forma geral, todos os povos que habitam África como povos continentais e, por isso, guerreiros, tanto os que habitam a África branca como os que habitam a África negra. Os contactos eminentemente guerreiros são, ainda hoje, para esses povos, um modelo de afirmação. Esse processo migratório e de povoamento, fundamentou-se na conquista de um território e na submissão de povos que já o habitavam.

Existem povos mais guerreiros outros menos mas, de uma maneira geral, a força física e a astúcia são os elementos prevalecentes da filosofia comportamental de todos os povos africanos. Esta forma de vida trouxe consigo outro fenómeno, não menos importante, que se concentrou na filosofia existencial destes povos – a ideia de independência e de autonomia, transformando-os, de uma forma geral, em povos endocêntricos: vivem a vida para dentro de si próprios e é, com base exactamente no fenómeno conquistador e na preservação do seu grupo, que a questão da sobrevivência transforma-os em seres autónomos e independentistas, não lutando pela independência dos outros, mas pela sua própria. O povo zombo, como elemento constituinte do continente africano, não é excepção à filosofia da praxis acima descrita, bem pelo contrário, está na génese do reino do Kongo, o que verificaremos logo que seja adequado.

Em África, a sucessão tem a ver com o líder, podendo a liderança recair sobre um homem ou sobre uma mulher. Se recair legitimamente sobre esta última, existe a forte possibilidade da insurreição. Caso haja um homem para substitui-la, a eficácia do poder esgota-se. É de referir que, em África, designadamente na África negra, o que definimos por poder político é um poder originário, sem igual, na ordem interna, não podendo existir dois poderes iguais, senão anulam-se. O problema existencial é que coabitam, no mesmo espaço territorial, poderes semelhantes: um representa o ‘poder patrilinear’ e o outro o ‘poder matrilinear’, de origem uterina, protagonizado por líderes tradicionais, cujo domínio, na área onde ele é eficaz, tem a mesma preponderância que aquele outro poder que foi legado. Encontramo-nos face a dois poderes, que não são paralelos, não são divergentes, mas também não são convergentes. Assim, questionamo-nos quanto à tipologia desses poderes. Consistem em poderes que se combatem. Se fossem divergentes, poderiam eliminar-se um ao outro mas, neste caso, cruzam-se, transformando o território num espaço ingovernável. Portanto, a sucessão, que é um vector fundamental, tem de estar interligado com o fenómeno da liderança. O problema é que são aspectos fundamentais de milhares de povos de África, onde os zombo estão peculiarmente incluídos, e infelizmente de muito árdua resolução.

A sucessão está ligada a fenómenos sociais e políticos, sendo que quando falamos em fenómenos sociais, estamo-nos a referir à família, quando nos referimos a fenómenos políticos estamo-nos a ligar à questão do Estado e das instituições políticas menos elaboradas que o Estado, como sejam o poder difuso das aldeias e a chefatura. Se a sucessão recai sobre um homem diz-se que é patrilinear, se recai sobre uma mulher trata-se de uma sucessão matrilinear. A própria vida, o fenómeno humano é o responsável pela evidência destes dois tipos de sucessão, mas não os trabalhou nem os elaborou por conveniência, foi o modelo de vida, foram as necessidades que obrigaram a definir estes dois tipos de sucessão, tendo em conta que no continente africano (excepção feita à ilha de Madagáscar, onde o líder é sempre uma mulher e a origem do seu povo é Polinésica) todas as sucessões são patrilineares e, tanto na sua componente insular como na componente continental, o líder é sempre um homem. Todavia, qual o motivo de ser sempre um homem? A razão é simples: a implantação demográfica, no continente africano, baseou-se num fenómeno que ainda hoje é evidente, na já mencionada teoria da conquista e da submissão de povos que já habitavam esse território.

Essa busca de novos espaços, protagonizada pela via militar, era também um fenómeno de sobrevivência definindo, de uma forma geral, todos os povos que habitam África, aqui a guerra é um modelo de afirmação do indivíduo, a ancestralidade da sua implantação em determinado local teve como origem esse tipo de conquista, onde a força física e a astúcia foram e são elemento essencial do comportamento dos povos africanos.

1.1.2. A Descendência

Se a sucessão implica liderança, a descendência diz respeito à herança, embora ligada à sucessão. Em África, por razões eminentemente geográficas (referimo-nos ao revestimento florestal), encontramos dois tipos de descendência: a patrilinear, também chamada seminal ou agnática e a matrilinear, também chamada uterina ou cognática, que se refere ao conhecimento absoluto, não há duvida nenhuma que se uma mulher deu à luz estes filhos, eles são do conhecimento absoluto que saíram do ventre dela. E também toda a gente sabe que o seu irmão nasceu do mesmo ventre da irmã, nas veias dele circula o mesmo sangue que a sua irmã e, se a sua irmã deu à luz, todos os filhos têm o mesmo sangue e, por isso, se designam cognáticos.

Assim, qual o objectivo da descendência cognática? Este tipo de descendência pretende garantir a consanguinidade porque, é através dela, que se transmite a herança, legada por via materna, através do útero.

Em relação, ao sistema de descendência patrilinear significa que quando o patriarca morre, os seus herdeiros têm a consanguinidade fundamentada no sémen, portanto via paterna, pressupõe uma certeza, mas apenas a calcula, porque quem gera os filhos é o elemento feminino. Chama-se a isto descendência patrilinear, os herdeiros são os filhos do patriarca. No sistema de descendência matrilinear, a consanguinidade é dada pelo útero e não pelo sémen, então quem são legitimamente os ascendentes? Tendo em conta que o chefe de família é um homem, será o irmão da mãe, tem o mesmo sangue que ela, pois os dois irmãos nasceram do mesmo útero. Neste caso, a descendência faz-se por via uterina, mas como a mulher não pode ser chefe (chefe é sempre um homem) será o seu irmão e, por isso quando morrer, quem herda a sucessão será logicamente o seu sobrinho, porque este lhe garante a consanguinidade.

1.1.3. A Residência

Na África tradicional, o fenómeno da residência matrimonial reveste-se de importante significado. Além disso, a sua localização permite-nos perceber a interdependência respectivamente da mulher em relação ao marido e vice-versa, sempre condicionados à economia doméstica como também veremos adiante.

Analisemos cada uma das modalidades: a mulher é sempre a geratriz da vida, é a matriz dessa mesma vida e, tanto num modelo como no outro, é a produtora do ser. Portanto, importa ter em conta onde vai residir quando casa.

Quando se trata de povos de descendência patrilinear, a mulher sai da sua povoação e vai viver para a povoação do consorte, o que significa que o seu comportamento é permanentemente vigiado pela família deste, dificultando da parte dela, qualquer comportamento menos próprio, o que quer dizer que ela terá alguma dificuldade em ter relações extraconjugais. Se a fiscalização actua sistematicamente sobre o seu comportamento, isto quer dizer que os filhos que ela produziu, são agnaticamente, quase de certeza do seu marido. Isto verifica-se, primeiro, porque não pode sair da povoação e, segundo, porque na povoação não entram estranhos. Deste modo, indo viver para o local da componente viril, adopta a residência virilocal.

Já no sistema de descendência matrilinear, a mulher quando casa não sai da sua povoação, por alguns motivos, a destacar: na sua povoação de origem, vivem todos os elementos ligados a ela, por consanguinidade, estes elementos são o seu ponto de referência e esta é primeira razão, que podemos apelidar de institucional; não saindo da sua povoação significa que o marido não vive com ela, tem outras responsabilidades pois também no seu local de origem, pode vir a ser ou é o responsável pelos filhos da sua irmã, será então o tutor e pai social dos seus sobrinhos uterinos. É este tipo de residência que efectivamente faz com que a mulher após o matrimónio, permaneça na sua povoação, no lugar do útero, chama-se por isso residência uxorilocal ([uxori] do latim, útero).

Na residência virilocal, os filhos podem ser do marido mas também podem ser de outros encontros fortuitos, por isso, é fundamental garantir a consanguinidade através de certezas e não de pressupostos. Consequentemente, a tutela sobre os filhos é retirada ao pressuposto pai para ser entregue a um outro pai, que passa a assumir a tutela de seus filhos, ou seja, ao tio das crianças, seu irmão.

No caso dos zombo, face ao sistema colonial, existem algumas particularidades, no que concerne a residência. Se, normalmente, será a esposa a dirigir-se e fixar residência junto da comunidade do marido, visto que estão, em tempo de querelas, a localização da família vai depender, sucessivamente, do proveito político que tirarão dessa mesma localização. Assim, por mais paradoxal que pareça, a experiência da colonização serve-lhes à independência.

1.1.4 O Modelo Económico

O continente africano é uma massa continental com cerca de oito mil quilómetros de comprimento e sete mil quilómetros, na sua largura máxima. Todo o continente está sujeito a temperaturas, relativamente elevadas, em relação aos outros continentes e nenhuma das suas áreas sofre a influência das massas de ar frias continentais. Nas proximidades dos trópicos, as terras apresentam-se secas e no deserto do Saram as temperaturas diurnas são elevadíssimas.

Em direcção ao sul, essa tipologia climática vai-se modificando, mudança essa expressa na frequência e intensidade das chuvas, havendo grandes diferenças entre o clima sudanês, com precipitações dos 750 a 1000 mm3, o que explica o revestimento vegetal de folha caduca e o clima saheliano, com as suas características áridas, onde predominam os tufos espinhosos. Na zona equatorial, a convergência dos ventos alísios explica as chuvas torrenciais e frequentes durante todo ano. Quando a floresta passa a floresta de galeria, aparecem as clareiras seguidas de intermitentes savanas, para finalmente dar lugar às grandes savanas africanas.A economia, na África tradicional, envolve ainda hoje aproximadamente oitenta por cento da sua população e este é, acima de tudo, um problema de ordem geográfica, tal como atrás ficou expresso. Todas estas culturas estão pendentes dum clima de excessos – ou chove muito ou não chove quase nada – por isso, a distribuição pluvial é de importância fundamental. Muitos estudiosos vêem na distribuição das chuvas, a razão do acantonamento das populações africanas. Nas savanas, há muitas zonas em que não chove o suficiente e para agravar a situação são as zonas da mosca do sono, o que por si só, proíbe a pastorícia. Por outro lado, grande parte do continente, cerca de quarenta por cento é ocupado por desertos, que no caso do Saara não tem fronteira certa, mas a tendência infelizmente, segundo os estudiosos, é para alargar oito quilómetros por ano, o que coloca às populações que nele vagueiam, problemas de dificílima solução. O rio Niger tem um negro futuro, estando a tornar a vida das comunidades muito difícil, donde resultam grandes migrações de populações para o sul. Em suma, o que está em jogo é a quantidade da precipitação de água das chuvas, de modo a permitir a agricultura.


Como sabemos, o Equador divide a África em dois, implicando a quase simetria dos climas. À medida que nos afastamos dele as chuvas começam a diminuir e quando se chega ao deserto praticamente não há chuva. Estas condições tornam a agricultura profundamente condicionada à itinerância e ao modelo de subsistência volante, semi-nomadizado e sem circulação de produtos, feita portanto em terras itinerantes devido ao esgotamento dos terrenos, significando que o agricultor trabalha a cultura durante três a quatro anos. Por esta breve descrição de modelo económico, compreende-se a nomadização das aldeias, onde os terrenos são comunais. Hoje existem as fronteiras, já não é tão fácil a migração, mas mesmo assim, o processo desta agricultura ainda se pode encontrar no interior, com menos contactos culturais, em que a prática de cultivo é simples e modesta, tendo como objectivo a produção indispensável à manutenção do grupo familiar e à guarda de pequenos excedentes, para sobreviver a anos desfavoráveis. Hoje, só subsiste, em casos excepcionais, na sua pureza inicial. O homem africano conhece o terreno, é um homem prático. Os que forem de fora da comunidade têm que aprender com ele. Em cada zona, o homem tem a sua maneira de trabalhar a terra e quem alterar o sistema terá de rodear-se de sérias precauções sob pena de redundantes fracassos.

Contrapomos assim, que o território próprio dos zombo, é favorecido pela benesse única inerente ao seu planalto. A queda pluvial regular permite colheitas muito abundantes, especialmente de oleaginosas. As suas condições estão ainda marcadamente subestimadas pelos recentes períodos de guerra, tanto a colonial como as que se prenderam com a disputa pelo poder político que permitiria a estabilidade obtida através da independência.

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