Depois
de algumas reflexões sobre a matéria em questão, em especial, sobre o cuidado a
ter com os grupos humanos que se foram sobrepondo, nos mesmos espaços, com os
acontecimentos históricos com eles correlacionados e onde as formas
socio económicas variaram com o decorrer dos tempos, sujeitas que estavam ao
processo bio-cultural, verificámos que foram produzidas alterações profundas
nas culturas presentes e em evolução constante. Sabemos e, por vezes, tememos
que a limitação das descrições coevas, por vezes, nos confundam (especialmente,
pelas ideias políticas e interesses de cada interveniente nas narrações)
conduzindo-nos a algumas reinterpretações delicadas. De uma coisa estamos
certos, tentámos exigir, de nós mesmos, o maior rigor científico, ponderando
situação por situação e, se possível, tentámos encontrar as respectivas
afinidades ou diferenças, porém não resistimos a subscrever e transcrever as
palavras de Ruth Benedict acerca de uma sátira de Goethe.
“Quem quer conhecer e
descrever o vivente,
Procura primeiro
desembaraçar-se do seu espírito,
E depois de ter as diferentes partes na mão,
Esta
nossa contribuição para o conhecimento dos contactos sócio-culturais do Reino
do Kongo não tem outra pretensão senão procurar melhorar o que já se sabe, e
mesmo assim, só neste ou naquele aspecto, menos conhecido, servindo de
plataforma de entendimento e análise para o estudo do subgrupo Zombo. Optámos,
assim, pela apresentação do capítulo O Reino do Kongo em três fases distintas
relativamente à sua existência, realçando que este subsídio se esforça por se
basear em factos histórico-sociológicos relevantes e também se reporta a
documentos factuais que incidem sobre a fundação do reino do Kongo e se
prolongam até ao presente próximo. Nesta perspectiva, apresentaremos, de
seguida, uma pequena epítome, de cada uma das fases supracitadas:
1. O Antigo Reino do Kongo – trata-se da fase
que corresponde aos mitos da sua génese, à sua implantação e independência,
assim como à afirmação simbólica, que no nosso entender (dentro das informações
compulsadas) se inicia por volta do século XV e termina, com fases
intermitentes de maior ou menor independência, por volta de meados do século
XIX. Basicamente, neste espaço temporal, exerceram os europeus e em especial os
portugueses, enorme pressão económica, cultural e religiosa, sobre os povos da
Bacia Convencional do Zaire, como ficou conhecida pelas potências coloniais a
área do espaço geográfico, (considerando como elementos estruturais a
exploração de matérias primas e o comércio liberal) ocupado pelo rio Zaire,
seus afluentes e confluentes. Nesta secção, procuraremos começar a reflectir
com mais frequência, sobre alguns termos das línguas kikongo e kimbundo, que
induziram, em cada fase, à compreensão dos significados relevantes do fenómeno
linguístico, nos diferentes grupos humanos aí presentes. Será aqui também que nos
debruçaremos sobre os assuntos que se referem aos primórdios dos contactos dos
potentados kongo, através dos ‘línguas’
zombo, com os navegadores e conquistadores portugueses, nos seus actos
expansionistas e mercantis (de ambos os lados, cada um à sua escala) e os
posteriores conflitos ocasionados pelas forças políticas, económicas e sociais
intervenientes.
2. O Reino do Kongo dya Ntotila ou Ntotela: Esta fase corresponde ao declínio dos contactos
diplomáticos portugueses pois, uma vez estabelecida a confusão das potências
negociantes e depois ocupantes, se tivermos em conta as suas próprias formas de
entender o processo socioeconómico, os meios materiais e intelectuais de que
dispunham, a experiência anterior adquirida e especialmente a capacidade de
adaptação física, isto permitiu, com o tempo, um mais profundo internamento no
sertão e uma menor dependência dos autóctones. Este foi o caso dos portugueses,
ao verem-se envolvidos pelo ancestral processo de mestiçagem física. Os
estrategas da expansão marítima e abordagem continental sabiam das suas
vantagens e desvantagens. Do que se tem escrito, somos mais sensíveis ao século
XIX; aqueles que contactaram, por períodos mais ou menos longos, com as
populações ultramarinas, ajudaram a entender melhor as relações sociais que se
desenvolveram naquele século, altura em que se intensificaram as explorações
científicas na Bacia Convencional do rio Zaire. Foi o período das grandes
caravanas, incluindo as que escondiam já os desígnios da ocupação com o intuito
da repartição de África pelos poderes europeus, a chamada expansão colonial africana.
Embora esteja uma panóplia documental por “descobrir”, há que regozijarmo-nos
dos muitos dos documentos legados, por exemplo, as cartas geográficas dos
acessos portuários, dos relevos, entre outras, através das quais, as potências
coloniais trocaram informações de relevante importância. Este tipo de
documentação, reputada do maior interesse, foi sempre sigilosa e nela residiram
informações que permitiram a exploração de matérias-primas, defendidas a todo o
custo pelos potentados negros.
3. O Reino do Kongo dya Xingongo e dya Gunga: O último quartel do século XIX, é a
fase da consolidação diplomática cristã, junto do então rei do Kongo,
anteriormente marquês de Katendi e de
seu nome oficial D. Pedro V de Água Rosada, porém, conhecido, em todas as
terras do kongo, por Elelo, (o rei
dos Panos) Ntotela, Ntinu a Kongo e Weni
W’ezulu. Entretanto, o Estado Português vinha já há muito tomando
progressivamente conhecimento das mais secretas informações, numa fase que iria
prolongar-se durante séculos, repleta de percalços, até à fixação do imposto de
cubata, por volta do início da segunda década do século vinte. Dedicaremos
maior atenção a esta fase, por ser nela que repousam documentos essenciais de
cariz científico, testemunhos vivos, visto se tratar de um passado mais
recente. Lembremos, contudo, novamente de que terão, em todos os momentos, de
ser analisada a sua fiabilidade.
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